A água não é só um elemento essencial à conservação da vida da terra, ela é também um elemento de bem-estar psicológico. Todas as pessoas que vivem perto do mar sentem isso, assim como aquelas que, só por vezes, se podem dar ao luxo de se deslocarem a locais tão privilegiados como os mencionados. Há muitos anos atrás, eu vivi numa pequena localidade cujo jardim municipal era atravessado por um pequeno rio. Este jardim acompanhava a extensão da avenida, e, embora mantenha muitas das características de então, foi aumentado em largura, aproveitada pela câmara aquando da venda de uns terrenos privados adjacentes. Uma das atracções desse jardim era sem dúvida a proximidade da água, e ainda é. A água cria um ambiente especial que faz com que todos se sintam bem, até mesmo aqueles que parecem não notar a sua presença. Este fim-de-semana, eu tive oportunidade de voltar a constatar isso mesmo – a importância do mar e da natureza em geral no equilíbrio mental das pessoas. Assim sendo, há que preservar esses mesmos locais de forma a que possam continuar a ser um bálsamo para a alma humana. Como em tudo, só depende da vontade humana e, como todos sabemos, há vontades para tudo. Há vontades que fazem preservar esses locais maravilhosos assim com há outras que parecem não ligar aos mesmos. É aqui que entra o problema da poluição com todos os problemas que acarretam consigo. Aquele maravilhoso jardim, onde brinquei tantas vezes, a partir de certa altura, deixou de ser isso mesmo para passar a ser uma espécie de esgoto ao ar livre. Foi então que as janelas das vivendas habitualmente abertas ao ar fresco das manhãs passaram a ficar quase permanentemente fechadas e os vidros cobertos de uma rede para travar as investidas dos incomodativos mosquitos. Nós, os miúdos, quando passávamos a ponte em direcção à escola eram raros os dias em que a poluição era tal que não nos atrevíamos a abrir a boca e tínhamos de tapar o nariz para nos defendermos do insidioso cheiro nauseabundo. Os peixes, e até a flora aquática tão viva, desapareceram transformando aquele rio numa espécie de rio fantasma onde se agitavam os restos mortais da outrora flora subaquática. A responsável era uma indústria do papel que poluía aquele rio logo à nascente e que por pouco não transformava aquela vila num local inabitável. A vila adoeceu com a morte do rio. Todas as pessoas evitavam aquela zona, tão desagradável. Mas, e como para tudo, a vontade humana, desta vez no bom sentido, devolveu àquele rio e, consequentemente, àquela vila a vida de que estava tão carenciada e, hoje em dia, é um local muito aprazível onde as pessoas se juntam para passarem umas agradáveis horas de lazer. Mas o perigo espreita sempre e as águas muitas vezes já não estão tão límpidas como no início do tratamento das mesmas. Também os mares estão ameaçados com a indústria poluente e lembro-me da praia onde passei muitos dos meus verões e que, a certa altura, e devido à falta de escrúpulos de certos empresários e/ou à ignorância dos mesmos, puseram em risco esses locais abençoados com a presença da água.
Eu também fui uma criança da rua, mas na década de 70, com a agravante de ser uma miúda, o que nunca foi bem visto pelos mais conservadores. Contudo, ser criança da rua, na década de 70, numa pequena vila do interior, não é o mesmo que sê-lo, agora, e, ainda por cima, nos arredores de uma grande cidade, onde o perigo é muito maior. Hoje em dia, esta situação ainda é comum, em famílias cujos progenitores trabalham e não têm quem olhe pelos filhos, durante a sua ausência, devido às magras e suadas finanças e também devido à ausência de familiares, próximos ou distantes, capazes de o fazer.
Os meus pais trabalhavam durante o dia, o meu pai, muitas vezes, de noite, pelo que precisava de recuperar essas horas de sono perdidas, durante o dia. Esta ausência levou-me a criar um ambiente, (por vezes pesado, devido ao silêncio e ao vazio), só meu. Eu decidia como distribuía o meu tempo e o que fazia com ele. De todas as famílias que habitavam nas imediações do meu bairro, só um amigo meu de infância estava em circunstâncias semelhantes às minhas: ambos os pais trabalhavam, embora tivesse os avós maternos que olhavam por ele e pela irmã mais velha. Todas as outras crianças tinham a mãe em casa, pelo que havia sempre alguém que ia até ao portão olhar ou chamar pelo nome dos filhos. Nesse bairro, todas as pessoas eram da mesma cor, haviam sido formados na mesma cultura e professavam a mesma religião. Nada nos distinguia, para além da natureza de cada um. As casas das minhas vizinhas de infância foram uma segunda casa para mim, fazendo-me companhia nas horas vazias e, embora me distraísse em casa, havia muitos momentos em que necessitava de sentir a presença de alguém, junto de mim e, quando chegava a hora de recolher, eu regressava, muitas vezes, ao silêncio da casa vazia. Contudo, a maior parte do tempo, era passado na rua onde brincava com os rapazes ou com as moças, dependendo de quem encontrasse. O espaço imenso que rodeava as nossas casas, situadas numa zona quase limítrofe da pequena vila, onde os campos se estendiam até ao grupo de casas mais próximo, era o cenário das nossas deambulações. As ruas, onde passeávamos de bicicleta, que, muitas vezes nem alcatroadas eram, poucos carros ou pessoas desconhecidas ali passavam, suscitando sempre a nossa desconfiança, quando tal sucedia. Não tínhamos as más companhias que nos liderassem por caminhos desviantes, pelo que vivíamos num universo seguro. Fazíamos o que as crianças de hoje ainda fazem: brincadeiras e jogos de toda a espécie. Os laços afectivos que se criaram, ligam-nos ainda hoje, pelo menos a alguns de nós. São estes laços que levam muitas crianças e adolescentes a encontrar, nos outros, os alvos dos seus afectos, retribuídos ou não, e que muitas vezes substituem a família ausente ou o ambiente conflituoso do lar. Os que têm a sorte ou a facilidade em conhecer bem os amigos que os rodeiam, poderão escolher entre o que é bom ou mau para eles, os outros perdem-se em amizades duvidosas ou que adoptam na ausência de outras melhores. São estas amizades que lhes valem, pensam eles, quando têm um problema que requer solução imediata, não se dando conta que não se meteriam nas situações, se não fossem as companhias. A sorte ou o azar destas crianças consiste na capacidade de perceber a natureza daqueles a quem tratam por amigos, e nem sempre isso é fácil ou mesmo possível… uma vez que há factores que condicionam esses mesmos juízos. Eu também me enganei na opinião sobre algumas amigas… e, hoje, sei que fui e sou amiga, ao contrário delas…
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