Todos nós fazemos uma condução cautelosa. Não conheço ninguém, no seu perfeito juízo, que queira matar-se ou assassinar alguém. Todos nós, salvas sempre as raras excepções, já fizemos, por uma razão ou por outra, uma condução mais atrevida. Estou sempre a deparar-me com um ou outro caso. Há sobretudo as ultrapassagens, muitas vezes, em condições adversas que me gelam o sangue. Compreendo a ansiedade das pessoas que precisam de acelerar a condução pelos motivos que podem ir desde a saúde ao horário de entrada no emprego. Ainda hoje de manhã, saí de casa com um sol radioso que doirava a planície, para me embrenhas, mais à frente, e inexplicavelmente, num nevoeiro cerrado. Liguei os faróis. Atrás de mim, seguia um carro, também com os faróis ligados, que perscrutava a estrada avaliando a possibilidade de ultrapassagem. Como, no nevoeiro, não havia sinais de presença de veículos circulando em sentido contrário, iniciou a manobra. Qual não foi o nosso espanto, quando, em plena ultrapassagem, um camião pequeno acende as luzes para sinalizar a sua presença. Travei para ajudar o carro a chegar-se à faixa da direita, em segurança. Nada mais pude fazer. Mas, sempre que tal acontece, assumo a minha responsabilidade pela segurança do próximo e ajudo no que posso. Não são propriamente as ultrapassagens e os condutores que as realizam que me chocam. São os condutores que, na faixa da esquerda e avançando em sentido contrário, em nada facilitam a manobra do que está aparentemente aflito não se dando ao trabalho de sequer reduzir a velocidade para evitar o possível choque. Ainda um dia destes, tive a oportunidade de presenciar um episódio que me chocou. Um carro avançava, numa estrada estreita a grande velocidade. Eu cheguei-me mais para a direita para deixar o maior espaço possível ao autor da ultrapassagem. A visibilidade não era a melhor. Ao iniciar a ultrapassagem, o condutor deu com um que vinha de frente. Ainda assim, resolveu arriscar. O carro da frente, não fosse eu a facilitar a manobra do carro em plena manobra de ultrapassagem, chocaria de frente com uma condutora ainda nova que manteve a mesma velocidade aparentemente indiferente ao pudesse acontecer. Todo o mérito da fuga ao possível choque esteve na mão do condutor que efectuava a ultrapassagem, mantendo o outro carro a mesma velocidade aparentemente indiferente ao pudesse acontecer. Não é incrível? As pessoas agem como se o choque, mesmo sendo da responsabilidade daquele que sai da sua faixa, só prejudicasse este. Como se a colisão não o pudesse afectar minimamente. Como todo o cuidado é pouco e a culpa nunca é só de um lado, talvez fosse melhor os condutores, para além da atenção usual, devessem passar a prestar assistência a quem precisa de acelerar seja porque motivo for. Hoje precisam eles, amanhã nós. Talvez mudando a nossa atitude egoísta, possamos tornar as estradas mais seguras para todos. Não custa nada. É só preciso boa vontade.
Já ouvira contar histórias de camiões e camionistas. Já escutara o medo de alguns condutores que haviam assistido a cenas complicadas de digerir. Lembram-se daquele antigo anúncio televisivo que pedia aos camionistas para ligarem o pisca da direita ou da esquerda dando assim uma possibilidade aos carros de perceberem se o caminho estaria impedido ou livre para possíveis ultrapassagens? Algumas destas ajudas correram mal. Passado pouco tempo, o anúncio pedia precisamente o contrário – que terminassem as ajudas porque o resultado era, muitas vezes, catastrófico. Isto só para lembrar uma das terríveis histórias trágicas que envolveram camiões. Alguns deles parecem ou outros semelhantes parecem ainda andar por aí. Numa versão mais ligeira.
No caminho de ida e volta do trabalho, cruzo-me com imensos camiões de todos os tamanhos e feitios. Olho aquelas imensas e pacíficas máquinas de quatro gigantes rodas companheiras das inúmeras horas de viagem em que arrastam a corpulência nas penosas subidas para logo ganharem algum alento nas consequentes descidas. É neste convívio sereno que envolve respeito mútuo que aprendi a compreender e a respeitar o seu espaço. Eles faziam o mesmo. Há pouco tempo, porém, a situação mudou. Mudei de auto-estrada e o panorama modificou completamente. Alguns camiões pareciam não conhecer aquele acordo tácito que envolve ambas as partes – carros e camiões. Estando a trabalhar mais perto, e saindo de casa com a devida antecedência, não tenho necessidade de me envolver em despiques desnecessários contra o tempo parecendo querer engolir o tapete alcatroado da auto-estrada. Por outro lado, tento poupar, ao máximo, gasolina. Assim, mantenho uma velocidade razoável que acompanha o ritmo de alguns dos meus pesados companheiros. E a situação mantém-se estável até que vem um que se lembra de querer andar ao seu ritmo constante mais acelerado e resolve apitar perturbando a condução do carro da frente. Sobressaltada e sem perceber o erro cometido, olho pelo retrovisor para inspeccionar o meu agressor. Novamente o mesmo som, desta vez acompanhado de luzes. Cada vez entendia menos e começava a aborrecer-me. Só depois de muito atroar os meus ouvidos e ofuscar a minha vista a gigantesca máquina se resolve a passar para faixa da esquerda dando início, finalmente, à ultrapassagem e lá desapareceu na íngreme subida. Olhei pelo retrovisor. O afluxo de trânsito, àquela hora da manhã era pouco ou quase nulo. Fiquei irritada. Custou-lhe muito a tarefa da mudança de faixa? Não compreendi. Já passara por outros que haviam tomado a faixa esquerda sem qualquer espécie de alarido, e, depois, aquele irritado espécime que parecia estar atrasado para uma hipotética entrega. Seguiram-se-lhe muitos. E sei que terei de aturar muitos mais. Mas constato que a grande maioria não se dá a estes espectáculos ridículos que em nada contribuem para a boa imagem dos camionistas. É sempre assim. Há sempre uma minoria que coloca em risco a reputação dos outros.
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