Quantas vezes já nos sentimos estranhos na nossa terra e “em casa” fora dela? Quantas vezes já sucedeu o contrário? Parece não haver regras para nada. Pelo menos, quando pensamos na vida! Há sítios onde somos bem recebidos e outros há em que parece que só a nossa presença já incomoda. O que pensar destas ocasiões, quando sabemos que não fizemos e não fazemos nem faremos mal a ninguém, que só queremos viver em paz a nossa vida sem qualquer outra pretensão? O que faz com que certas pessoas nos prejudiquem, quando nunca lhes fizemos mal algum? O que será? Se o conjunto dos nossos actos não praticamos mal algum que possa, directa ou indirectamente, prejudicar alguém, por que é tão difícil a convivência com aqueles que são diferentes de nós? Por que é tão difícil essa convivência da parte deles? Por que têm de nos derrubar, pelo menos, de vez em quando? O que temos nós que tantos incomoda? Ou será que só aquilo que somos os incomoda? O que fazer nestas alturas? Como reagir com certas pessoas para que nos deixem viver a nossa vida sem nela criarem problemas? Vamos deixar de ser aquilo que somos e imitá-los só para que se sintam satisfeitos e não tenham a ideia de que somos melhores do que eles e se sintam incomodados com isso? Por que nos fazem sentir mal só pelo facto de sermos diferentes? O que os incomoda tanto a ponto de nos fazerem sentir parte de uma outra equipa que não a deles, quando não é isso que procuramos ou queremos? Por que nos fazem sentir como uma minoria, ou mesmo seres abjectos, quando sabemos que há mais pessoas como nós? Por outro lado, o que faz com que outras pessoas nos recebam de braços abertos, sempre que aparecemos e se sentem “em casa” connosco? Por que é que estas pessoas não se incomodam com o que somos e convivem bem com esse aspecto sentindo-se até gratas por nos terem como amigos e/ou conhecidos? Por que se unem a nós fazendo-nos sentir parte de um todo, de uma família, onde todos têm o seu lugar por excelência sem degraus capazes de demarcar seja que diferença for entre eles? Por que é que, com certas pessoas, a vida é sempre uma festa ao passo que, com outras, a vida está sempre cheia de lodo onde nos podemos enterrar a qualquer momento? Qual a diferença básica e essencial que existe entre uns e os outros e que faz toda a diferença? O que faz com que uns, e usando a linguagem física pareçam objectos de sinais positivos e outros de sinais negativos incapazes de se atraírem? O que faz com que os seres humanos, também eles matéria, não obedeçam às leis físicas da natureza e se comportem como água e azeite incapazes de se misturarem? O que se passa connosco, os seres humanos? Onde reside essa diferença?
(Ao meu pai que acaba de falecer...)
O meu pai está quase com oitenta e um anos. Sofre há alguns anos de Alzheimer. A doença é enganadora: quando parece estável, segue-se, inesperadamente, um período curto de avanço da mesma. Aliada à diabetes, adivinha-se um quadro clínico complexo. Olho para ele, e vejo ainda os vestígios do homem que conheci outrora. Amo-o profundamente. Nunca me senti tão perto de alguém, ainda que entre nós existisse uma diferença grande de idade traduzida na diferença de mentalidades. Contudo as diferença não eram assim tão acentuadas. Ou se eram, não dei por elas, uma vez que me deu total liberdade de escolha e sempre me incentivou, quando nem ele mesmo sabia exactamente qual seria o meu caminho ou a minha meta. Hoje, mergulhado no lodo da doença, que o assemelha a uma criança perdida, tento aliviar a carga que ela representa para ele e para a minha mãe. Nem sempre tenho tempo mas, sempre que posso, vou buscá-lo e trago-o para casa. Já sei que a tarde - ou o dia - tem de lhe ser dedicado e, sinceramente, desfruto da sua companhia. As nossas tardes resumem-se a passeios e a conversas simples ou a silêncios sentados no alpendre coberto da casa, mas, e sobretudo, à presença mútua. A minha filha mais nova acompanha-nos. Presos entre a incompreensão dos adolescentes e a impaciência da mais nova, que parece imitar a avó, tento fazer com que a doença não se torne um peso para ele ou seja para quem for. Porque não tem de o ser. Sei que ele aprecia estes momentos, sobretudo os passeios a pé. E não vamos muito longe! Contentamo-nos com a simpática volta ao quarteirão, quando o tempo está bom. A pequenita, montada na sua bicicleta, à nossa frente, desenhava uma gincana de obstáculos imaginários. O meu, pai, apoiado no meu braço esquerdo, seguia calmamente a meu lado. A certa altura do percurso, oiço a sua voz trautear: “Oh, minha menina, minha menina bela, quero passar o serão, sentadinho ao pé dela”. Voltei-me para ele e elogiei a canção confinada àqueles versos repetidos na solidão da doença. Respondeu-me com um sorriso aberto nos lábios ligeiramente deslocados para a esquerda. E nos olhos… surpreendeu-me o orgulho incomensurável exalado deles! Fiquei emocionada. Não sou nada, não sou ninguém, nem sei o que o futuro me reserva, mas sei que conquistei, involuntariamente, a meta mais importante da minha vida: o seu orgulho em mim!
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