opiniões sobre tudo e sobre nada...

Sexta-feira, 6 de Março de 2009
Um rissol para três

Há uns tempos atrás, estava ainda desempregada, pelo que, muitas das refeições tinham de ser bem pensadas, no sentido de gerir, da melhor forma o magro rendimento de que dispúnhamos. A primeira preocupação que tinha era a de pagar as contas relativas às despesas mensais, só depois podíamos pensar em comida. Não sobrava muito. Assim, muitas das refeições, sobretudo à noite, eram ligeiras e rápidas. Uma dessas noites, tínhamos comido sopa, e tinha fritado duas qualidades de rissóis, peixe e carne, para todos, acompanhados de pão e fruta. Os rissóis já estavam no fim, quando, alguém tocou à campainha. Os dois últimos sobreviventes, que jaziam no prato vazio, eram de peixe e carne, sendo o de peixe comido pelo rapaz e o de carne, dividido pelas duas irmãs, que, não gostando dos de pescada, dividiram entre si o último de carne. Uma vez a porta aberta, a vizinha entrou, percorrendo em passos rápidos o corredor que separa a cozinha da porta de entrada. Tive um mau pressentimento. A vizinha varria a cozinha com o olhar, enquanto falava. Estávamos na altura do Natal. Uns dias depois, ela voltava com uns sacos de compras, justificando-se com o choque que provara ao testemunhar um rissol a ser dividido por três. Ela não reparara bem, pelo que a história saíra distorcida. Não me preocupei em desmenti-la. Também não sei se adiantaria muito. Lembrei-me dos tempos em que os meus pais eram crianças e dividiam uma sardinha por três. Percebi que os tempos não haviam mudado muito desde então. O tempo passou mas os problemas não mudaram, são os mesmos. A pobreza continua e com ela os mesmo gestos, num esforço desesperado de sobrevivência. Sim, porque embora o rendimento seja menor, as contas mensais continuam a surgir com a mesma regularidade e com os aumentos nelas incluídos. Não têm coração e, por isso mesmo, são cegas. Em relação ainda aos tempos dos nossos progenitores, a única diferença será possivelmente a nossa dependência dessas contas. Vamos ao exemplo do gás. Os nossos pais e avós procuravam uns paus secos nos terrenos para acender o lume, cujas brasas eram aproveitadas para o ferro de engomar… Nós não podemos fazer isso. (Um problema criado pelo avanço tecnológico. Os pobres não podem investir na autoprodução de electricidade, que envolve um investimento significativo. Até as matas estatais, fornecedoras das amáveis pinhas, estão agora debaixo da supervisão de particulares.) Ou não devemos, embora haja quem salte as cercas em busca de lenha alheia para se aquecer. Muitas vezes, não são os necessitados que as saltam… (como eu própria já presenciei, casualmente, por duas vezes) esses resignam-se e limitam-se a escolher alternativas. Mais uma vez, estamos perante um caso onde a natureza humana é decisiva.



publicado por fatimanascimento às 23:17
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Sexta-feira, 25 de Julho de 2008
Crianças da rua

Eu também fui uma criança da rua, mas na década de 70, com a agravante de ser uma miúda, o que nunca foi bem visto pelos mais conservadores. Contudo, ser criança da rua, na década de 70, numa pequena vila do interior, não é o mesmo que sê-lo, agora, e, ainda por cima, nos arredores de uma grande cidade, onde o perigo é muito maior. Hoje em dia, esta situação ainda é comum, em famílias cujos progenitores trabalham e não têm quem olhe pelos filhos, durante a sua ausência, devido às magras e suadas finanças e também devido à ausência de familiares, próximos ou distantes, capazes de o fazer.

   Os meus pais trabalhavam durante o dia, o meu pai, muitas vezes, de noite, pelo que precisava de recuperar essas horas de sono perdidas, durante o dia. Esta ausência levou-me a criar um ambiente, (por vezes pesado, devido ao silêncio e ao vazio), só meu. Eu decidia como distribuía o meu tempo e o que fazia com ele. De todas as famílias que habitavam nas imediações do meu bairro, só um amigo meu de infância estava em circunstâncias semelhantes às minhas: ambos os pais trabalhavam, embora tivesse os avós maternos que olhavam por ele e pela irmã mais velha. Todas as outras crianças tinham a mãe em casa, pelo que havia sempre alguém que ia até ao portão olhar ou chamar pelo nome dos filhos. Nesse bairro, todas as pessoas eram da mesma cor, haviam sido formados na mesma cultura e professavam a mesma religião. Nada nos distinguia, para além da natureza de cada um. As casas das minhas vizinhas de infância foram uma segunda casa para mim, fazendo-me companhia nas horas vazias e, embora me distraísse em casa, havia muitos momentos em que necessitava de sentir a presença de alguém, junto de mim e, quando chegava a hora de recolher, eu regressava, muitas vezes, ao silêncio da casa vazia. Contudo, a maior parte do tempo, era passado na rua onde brincava com os rapazes ou com as moças, dependendo de quem encontrasse. O espaço imenso que rodeava as nossas casas, situadas numa zona quase limítrofe da pequena vila, onde os campos se estendiam até ao grupo de casas mais próximo, era o cenário das nossas deambulações. As ruas, onde passeávamos de bicicleta, que, muitas vezes nem alcatroadas eram, poucos carros ou pessoas desconhecidas ali passavam, suscitando sempre a nossa desconfiança, quando tal sucedia. Não tínhamos as más companhias que nos liderassem por caminhos desviantes, pelo que vivíamos num universo seguro. Fazíamos o que as crianças de hoje ainda fazem: brincadeiras e jogos de toda a espécie. Os laços afectivos que se criaram, ligam-nos ainda hoje, pelo menos a alguns de nós. São estes laços que levam muitas crianças e adolescentes a encontrar, nos outros, os alvos dos seus afectos, retribuídos ou não, e que muitas vezes substituem a família ausente ou o ambiente conflituoso do lar. Os que têm a sorte ou a facilidade em conhecer bem os amigos que os rodeiam, poderão escolher entre o que é bom ou mau para eles, os outros perdem-se em amizades duvidosas ou que adoptam na ausência de outras melhores. São estas amizades que lhes valem, pensam eles, quando têm um problema que requer solução imediata, não se dando conta que não se meteriam nas situações, se não fossem as companhias. A sorte ou o azar destas crianças consiste na capacidade de perceber a natureza daqueles a quem tratam por amigos, e nem sempre isso é fácil ou mesmo possível… uma vez que há factores que condicionam esses mesmos juízos. Eu também me enganei na opinião sobre algumas amigas… e, hoje, sei que fui e sou amiga, ao contrário delas…

 

 



publicado por fatimanascimento às 00:14
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