Saudade...
Foi com tristeza que soube da notícia do falecimento do meu ex-professor de Faculdade, Professor Doutor Justino Mendes de Almeida. Para além de uma figura incontornável dentro da cultura portuguesa, destaco o homem sério e vertical. São pessoas como ele que dão credibilidade ao mundo cultural e académico. Foi um prazer conhecê-lo pessoal e academicamente! A partir de hoje, o universo cultural português ficou irremediavelmente mais pobre. Mas ficou o seu legado, professor, pessoal e académico! O meu profundo agradecimento!
NOTA DE FALECIMENTO DA UAL
"A Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), cumpre o doloroso dever de comunicar o falecimento do seu magnífico Reitor Emérito, Professor Doutor Justino Mendes de Almeida.
Fundador e Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa desde 1992, Justino Mendes de Almeida leccionou inúmeras disciplinas das licenciaturas de História, Línguas e Literaturas Modernas e Relações Internacionais. Foi também autor de uma vasta obra no âmbito da linguística e literatura que deve ser lida e conhecida pelas gerações futuras.
A Universidade Autónoma de Lisboa presta uma reconhecida homenagem pelo extenso trabalho académico desenvolvido em prol da instituição, que em muito dignificou e contribuiu para o elevado reconhecimento académico que hoje possui.
Mais, cumpre comunicar que o corpo do Reitor Emérito da Universidade Autónoma de Lisboa é velado hoje, dia 18 de Julho, a partir das 18h00m na igreja de Santo Condestável, em Campo de Ourique, em Lisboa, estando a missa de corpo presente marcada para as 13h30 de amanhã na mesma igreja. O funeral realizar-se-á amanhã no cemitério de Benavente."
http://www.universidade-autonoma.pt/Nota-de-Falecimento-n153.html
Sempre tive uma leitura expressiva. Usava-a na sala de aula até ao momento em que percebi a estranheza dos alunos. Inexplicavelmente, deixei de fazê-lo. Não sei porquê! Talvez por não ter interpretado bem a estranheza dos alunos. Tal como terminou assim recomeçou. Talvez por mérito dos próprios alunos. Quando nos fazem sentir bem, estamos à vontade, e mostramos de melhor de nós. Numa turma, retomei a leitura com a entoação adequada ao texto lido. A mesma estranheza da parte da assistência adolescente. Fiquei um pouco intimidada. Percebi que o texto, em francês, havia sido compreendido, ainda que não soubessem o que as palavras significavam. Fez-se um silêncio. Ninguém parecia manifestar-se. Surpresa? Incredulidade? Estranheza? Não sabia como interpretar o mutismo. Rompi o silêncio. Perceberam? O mesmo silêncio. Até que um aluno perguntou se poderia repetir o texto. Acenei que não. Um coro de pedidos juntou-se ao seu. Repeti. No final, o mesmo silêncio. Até que um aplauso contagiou toda a sala. “Parece uma actriz!”, foi o comentário. Agradeci. Fiquei contente embora receasse que o ruído incomodasse as aulas das salas contíguas. Antes desta turma, havia já experimentado o mesmo tipo de leitura com uma narrativa francófona, da lenda africana pertencente a uma ex-colónia francesa. A mesma estranheza. O mesmo sossego. Um aluno mais afoito que comenta “Ena, isso é que foi uma leitura”, o mesmo entusiasmo. Passados alguns dias, um pedido de uma colega no sentido de fazer uma leitura para a comunidade escolar na festa de Natal. As notícias voam nos espaços pequenos. Recusei. Não por má vontade, mas porque a ideia de representar para toda uma comunidade me assustava! Como é que, depois de tantos anos de interregno, voltei a este tipo de leitura que usava esporadicamente? Nada é por acaso. Numa das sessões de apresentação das obras de Gil Vicente e Luís de Camões, na Escola EB 2,3João de Meira, realizada pela dinâmica coordenadora da biblioteca, um actor minhoto, natural de Guimarães, apresentou “O Monólogo do Vaqueiro” representando desde a porta de entrada. Os alunos ouviam rendidos ao tom e à gravidade dos gestos solenes. Parecia estar perante a rainha D. Leonor. Tal como na minha leitura, os alunos não alcançavam grande parte do significado das palavras arcaicas, mas perceberam tudo com a magnífica representação. Os gestos aliados às palavras juntamente com o tom de voz foram a chave que abriu a porta da compreensão. Percebi o quanto perdera e fizera perder ao não utilizar mais essa arma sedutora que é a leitura expressiva! Perdi o embaraço provocado pelo medo de perturbar as aulas dos colegas evitando o ruído que se seguia, e perdi a vergonha ao compreender, finalmente, os sorridentes olhares de esguelha trocados entre alunos durante a leitura!
Todos os anos chego ao fim do ano lectivo mais ou menos cansada. Mas como este último, só o de há dois anos atrás. Razões? Imensas… Sempre que nos dedicamos de corpo e alma a algum projecto, saímos dele sempre cansados. Trata-se também de entender esta profissão de uma maneira diferente daquela como era entendida, aqui há uns anos atrás. De facto, o professor deixou definitivamente o alto da sua cátedra para descer até aos alunos. Tem de ser. Os tempos são outros e a maneira de encarar o ensino e a relação professor-aluno tem, também, de ser outro. Até a avaliação.
Este ano coube-me uma turma de CEF, de iniciação, quase toda ela formada por alunos com registos de incidências graves no seu passado, aquilo que se designa habitualmente por alunos problemáticos, devido à sua postura e comportamento. Não vou negar que, no início, como era uma professora nova na naquela escola, os alunos passaram todo o primeiro período e, algumas vezes, no segundo, a fazer um braço de ferro comigo. Era difícil concentrarem-se e ainda mais fazê-los trabalhar. A matéria da minha disciplina, em muito, para não dizer quase em tudo, igual aos programas do currículo normal, não pareciam despertar-lhes o interesse. Não os culpo. A culpa cabe somente às pessoas que seleccionaram e organizaram o programa que em nada se adapta a este perfil de alunos. O português deveria estar mais voltado para o lado prático da vida, o que não acontece. Mas, como ninguém é visto e achado nestas decisões, temos de cumprir esse programa. Estes alunos são alunos muito inteligentes, embora com vidas complicadas. O que eles pretendem é aprender uma profissão e ganhar dinheiro para se sustentarem a eles e à família que um dia, eventualmente, formarão. Detestam teoria e tudo quanto se relacione com ela. Com eles, até o velho conceito de avaliação teve de ser repensado. Os testes deixaram de ser sobre matéria memorizada, para serem sobre matéria pesquisada, até os exercícios, para lhes facilitar a tarefa nas aulas… Alunos com grandes dificuldades de concentração, a matéria teve de ser dada de forma a parecer muito fácil… e tive alunos que perceberam a divisão e classificação de orações de uma forma quase imediata… também, mas mais no início das aulas, tive de me sentar, muitas vezes, ao lado de um dos alunos que não conseguia concentrar-se de forma a resolver os exercícios… aos outros, foi-lhes explicado o que estava a acontecer e porque estava a acontecer assim. Nem sempre resultou, uma vez muitos deles aproveitavam a minha diatracção, para perturbarem os colegas e, consequentemente, a aula. Sempre que me levantava do pé desse aluno, para atender os outros mais autónomos, quando regressava, ele estava no mesmo ponto onde o tinha deixado. Durante os momentos de avaliação, eu pude verificar como o stress deles aumentava consideravelmente… lembro-me de um aluno inteligente dizer-me, Professora, eu estou farto disto, apetece-me rasgar esta m… (o teste) e ir-me embora. A minha ronda parou logo ali. Dobrei os joelhos, ficando à altura do aluno sentado. Olhei para o teste dele e verifiquei que já respondera a algumas questões. Olha, respondi-lhe, já fizeste bastante, e deve dar quase para positiva, mas se fizeres estas duas, de certeza que dá. Olha para esta pergunta, é bastante fácil. Tu sabes a resposta., incentivei-o. O aluno leu a pergunta com a minha ajuda e só o vejo a agarrar na esferográfica e a escrever. Vês, continuei eu, conseguiste. Agora, olha para esta aqui. Eu não sei esta. Deixe-me ir embora!, insistiu ele, Escuta, insisti, tu fazes conforme sabes. Ele lá leu a pergunta e escreveu. A minha alegria cresceu. Vês?, disse-lhe, acertaste a pergunta! Chegada a latura da entrega do teste, fiquei à espera da reacção dele ao ver a nota. Então, perguntei-lhe, valeu a pena ou não? Ele sorriu, abanando a cabeça afirmativamente. Não foram precisas palavras... para quê?
Ambos estávamos felicíssimos com os nossos esforços…valera a pena! E eu, estou arrasada, é verdade, mas feliz.
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