Sempre que estamos doentes, temos a cabeça que nos dá os sintomas que, oportunamente, contaremos ao médico. É assim que funciona o nosso corpo. Aqui há muitos anos atrás, tive a oportunidade de assistir a uma caso que me chocou, de tal maneira, que, ainda hoje, me recordo dele. É uma história que conto, muitas vezes, a muitas pessoas. Trabalhava num local onde havia muitas pessoas, estando, na altura, algumas delas, sobrecarregadas com o trabalho e a responsabilidade do estágio, que, representava, no início do mesmo, uma sobrecarga nervosa. Uma das colegas, muito simpática, por sinal, estava a acusar um cansaço fora do vulgar, o que não foi compreendido, por muitos colegas que tinham passado pela mesma situação. Passado pouco tempo, começámos a estranhar o comportamento e a conversa dela. Dir-se-ia que algo não estaria a funcionar bem dentro do seu corpo. As pessoas que a rodeavam, colegas de trabalho, começaram a alarmar-se, (eu incluída), com tal situação. Os adolescentes, com os quais a colega trabalhava, também notaram. Lembro-me vagamente de que tinha uma criança pequena, que não a deixava dormir, durante a noite, e uma mãe que tentava apoiá-la, no máximo que podia. Muitas das pessoas que conviviam com ela, não percebiam, porque, segundo elas, ela tinha muita ajuda. Pois, mas os organismos não são todos iguais. A situação prolongou-se por algumas semanas, até que demos o alerta. Ela não poderia continuar assim, não era bom para ela, nem para os miúdos com quem trabalhava. A mãe, muito a custo, lá a conseguiu levar ao médico. Segundo notícias que me chegaram, ainda na altura, ela não sabia se era noite ou dia. Percebemos que o caso era grave. O que mais me preocupou, nessa altura, em relação a algumas pessoas que a rodeavam, era a sede de perseguição que se desenhava à sua volta. Algumas colegas avisaram-me e eu tive oportunidade de me aperceber disso. Como nunca fui pessoa de me calar, juntei-me a algumas, poucas, vozes que se fizeram ouvir, em defesa dessa colega. Sempre que tal acontece, a maioria das pessoas, ainda que sinta compaixão e compreensão pela situação da colega, escolhe a indiferença, com medo de se envolver e sair prejudicada. Lembro-me de lhes ter explicado a sua situação. Se nos dói uma perna, a cabeça assinala essa dor, que indica que algo não está bem, se nos doer o estômago, a cabeça dá também sinal… Mas o que acontece quando é a cabeça que adoece? Como vai a pessoa perceber que a sua cabeça deixou de funcionar? Muitas vozes se levantaram em sinal de apoio. Aqui, mesmo os colegas de má vontade tiveram de reconhecer que eu tinha razão. Evitou-se, assim, uma perseguição injusta, com tudo o que, de mau, ela arrasta atrás de si. Suspirámos de alívio. Foi uma lição para todos, até para mim, que, a partir daí, me mantive mais atenta ao que me rodeava.
Desde o último escândalo Casa Pia, e agora com estas últimas denúncias, a tutela do Estado sobre as crianças órfãs, é, novamente, questionável. Quem é o Estado? Para mim, o estado é uma cadeia difusa de rostos, um emaranhado de pessoas cuja responsabilidade no que se passa neste país é quase totalmente desconhecida. Digo quase, porque as pessoas são boas, mas não são estúpidas e têm uma ideia dos culpados, mas só
No caso da Casa Pia, a instituição é destinada a educar e a proteger as crianças que lhe são confiadas. E, de facto, não lhes falta nada, nada que o dinheiro possa comprar. Falta-lhes, talvez, o carinho e a protecção de alguém que os ame, os acompanhe individualmente no seu desenvolvimento pessoal até à idade, altura em que possam e saibam decidir por si próprios, e dar, então, um rumo às suas vidas. As crianças com falta de carinho e amor são as mais vulneráveis nesta selva humana, onde impera a lei do mais forte, física e psicologicamente. Com elas, trabalham pessoas que, findo o seu trabalho, regressam às suas casas e às suas famílias. Famílias de que carecem estas crianças. Um rosto que as acompanhe e que substitua o pai ou a mãe que tiveram mas não conheceram, em muitos casos. O que eu quero dizer, é que a instituição tem de repensar a sua estrutura e os seus meios para atingir os seus objectivos. Depois, há imensos exemplos, vindas de instituições privadas que podem servir de exemplo a essa mesma reestrutura. Refiro-me ao caso particular das aldeias SOS, onde as crianças são confiadas a um adulto que é, para todos os efeitos, o pai ou a mãe, dessa ou dessas crianças, e que as acompanha e lhes dá o amor, o carinho e a protecção de que elas tanto necessitam, para crescerem de forma equilibrada e sã. Pergunto-me se não é disto que as crianças da Casa Pia, pelo menos aquelas afectivamente mais carentes e desamparadas psicologicamente, precisam para se evitar mais casos de pedofilia. Não vamos ter a veleidade de pensar que, com estas medidas, vamos acabar com os pedófilos, que certamente terão de buscar ajuda, seja ela de que natureza for, provavelmente médica, (uma vez que a prisão não cura), ou com os gananciosos que, à custa da integridade física e psicológica de crianças, ganham dinheiro com tal negócio. Mas, pelo menos, ficamos com a consciência tranquila, sabendo que, onde se detectou o problema, resolveu-se. O que temos de fazer, e todos nós somos o Estado, uma vez que contribuímos para ele com os nossos impostos, na medida das nossas possibilidades, é exigir a prevenção de casos como estes tristemente conhecidos da Casa Pia, com medidas adequadas.
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