Foi por aí que eu comecei. Tal como todas as pessoas da minha geração, li os livros dos escritores que enchiam as prateleiras das livrarias-papelarias da pequena vila onde morava. Na minha família não havia hábitos de leitura. O meu pai lia o jornal, nas pausas do emprego, que era fielmente entregue todas as manhãs. Em casa, só quando havia algum acontecimento extraordinário que abalava o mundo, o fazia investir na compra de um jornal. O dinheiro não abundava. A minha mãe não frequentou a escola, pelo que todo o dinheiro empatado em livros era um desperdício. À mesa conversava-se pouco, o cansaço, após um dia de trabalho, não permitia. Mas havia dias de lazer em que a tradição oral ocupava os tempos mortos. As histórias de vida, vividas por familiares chegados, ou pelos meus próprios pais, protagonistas de algumas bastante hilariantes preenchiam por alguns idílicos momentos. As minhas avós eram uma fonte de água límpida de onde jorravam as mais curiosas e interessantes histórias de vida, como também reproduziam as da tradição oral que alguém, outra, lhes havia contado. Fui uma das privilegiadas. Para além de uma ouvinte atenta deixava a minha imaginação mergulhar nas narrativas orais. Quanto aos livros, os primeiros que conheci, encontravam-se alinhados numa prateleira do quarto de uma vizinha de brincadeiras. Para além das histórias propriamente ditas, começaram por ser as imagens a mexer com a minha imaginação. Era como se, ao olhar para elas, eu deixasse o meu corpo físico para penetrar no universo daquela ilustração. E brincava com as personagens, no seu universo seguro e encantado. Começar a ler os livros sem gravuras foi mais difícil. Enquanto as minhas vizinhas liam pequenos romances de aventuras, eu parecia continuar agarrada àqueles livros infantis onde encontrara um mundo encantado e feliz. A mãe de uma dessas pequenas companheiras de brinquedos ficou escandalizada quando percebeu que eu ainda não lera um romance. Mostrou-me a conhecida prateleira de vários andares, dispostos de forma artística, onde os livros bocejavam, sonolentos, à espera da vontade curiosa de um hipotético leitor que se atrevesse a percorrer os tesouros neles guardados. Olhei-os desconfiada. Folheei-os rapidamente. Escolhi aqueles que tinham algumas figuras ilustrativas da estória contada. Comecei devagar, sem grandes expectativas. Mas, a certa altura, o entusiasmo começou a crescer e tornou-se voraz. Li quase todos os livros da biblioteca infanto-juvenil das minhas vizinhas. E tinham colecções! Já adolescente, procurava os livros nas livrarias. Descia as longas colinas crestadas sob um sol intenso, para as visitar! Já adulta, tentei reencontrá-los como se procura um velho e querido amigo! Alguns consegui, outros não. Mas ainda os busco… Nunca mais esqueci o nome das autoras dessas obras assim como o seu conteúdo. Não me lembro de nenhuma obra para adultos que me tenha marcado tanto como aquelas que eu li na infância e adolescência. As obras da literatura para adultos sucederam-se numa vertiginosa corrida a que já me habituara na infância e adolescência, quando lia na penumbra do meu quarto, à revelia da autoridade parental. Se também me marcaram? Claro que sim… mas não de uma forma tão vincada como aquela. Estas são como rostos na multidão: uns ficam marcados e outros esquecidos. Por tudo aquilo que já foi dito, há que dar mais destaque à literatura infanto-juvenil pela importância que assumem nas nossas vidas. Talvez, por isso mesmo, muitos pais dêem a ler os autores consagrados mundialmente aos filhos em idade precoce, por saberem a importância da leitura nestas idades… eu não!
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