Há algum tempo atrás, li uma entrevista do comandante Marcos, onde ele alertava para os perigos da globalização e da nova fórmula política. Esta em nada irá modificar, como é de esperar, a ordem já estabelecida, irá agravar antes alguns problemas já existentes. O ocidente, e a sua cultura, imposta ao resto do mundo, não tem soluções, porque não existe vontade. Os dirigentes nada mais fazem do que perpetuar os sistemas herdados. E têm pessoas a trabalhar para eles, justificando os seus actos que são os intelectuais. Ele tem razão. As soluções passariam por uma nova sociedade mais justa e igualitária. Não há, na filosofia ocidental, capacidade para fazer essa transformação, nem vontade. Só evoluímos tecnologicamente. Mas serão todos assim? Estarão todas as pessoas tão afundadas nestes sistemas que não consigam pensar em soluções alternativas? Talvez não haja pessoas capazes de pensar em alternativas fora dos sistemas conhecidos (devem existir!), mas elas sabem o que está bem e mal. E há pessoas de boa vontade, e pessoas boas, que sabem bem o tipo de sociedade que gostariam de construir. Só que os parâmetros são pobres. E são-nos dados pela História que estudamos. Pouco ou nada sabemos das sociedades diferentes que existem neste mundo e que nada têm a ver com aquelas em que vivemos e que desenvolvemos. Se não estamos contentes com este modelo de sociedade, talvez devêssemos procurar outros. A América tem uma herança fantástica nesse sentido. Não falo das grandes civilizações que deixaram grandes monumentos. E estou a lembrar-me do filme do Mel Gibson, Apocalypto, que mostra a inteligência da personagem índia que se afastou dos estranhos barcos que acabavam de chegar à praia. Já cansado da escravidão vivida, resolve desaparecer, juntamente com a sua família, perdendo-se no interior da selva, onde encontraria a dignidade e a liberdade tão necessárias à vida. Se olharmos às sociedades tribais da América do Sul, especialmente as da floresta da Amazónia, damo-nos conta do bem-estar aí vivido e que nada têm a ver com a aquela em que vivemos. Onde todos são iguais, com um peso igual nas relações. Ali, ninguém vive com medo do seu semelhante. Há outros exemplos históricos bem sucedidos e que não são estudados na História, só quem pesquisa encontra essa informação. Todas elas representam modelos de sociedades alternativas que poderíamos seguir. Lembro-me particularmente do Paraguai, há séculos atrás, onde tudo quanto se produzia era para o bem de toda a comunidade, contemplando todos sem excepção. É mais estes modelos que deveríamos seguir. É disto que fala o comandante Marcos e é por isto que ele tem de se bater, junto da população, mostrando-lhes que há alternativas, herdadas de sociedades antigas, com as quais podemos e devemos aprender. E se não as pudermos seguir exactamente, pelo menos a sua filosofia. Não se pode só combater o que está mal, tem de se apresentar alternativas às pessoas. Ele é um bom veículo, dependendo do que ele quer fazer...
Acabei de rever o filme de Claude Leclouch, Les uns et les autres, que, como tantos outros filmes sobre o mesmo tema, me marcou profundamente. Como todos sabem o filme roda à volta da Segunda Guerra Mundial, e de todos os contornos marginais à própria guerra, como a tentativa de extermínio de certas etnias. O filme, tal como todos os que se debruçam sobre o mesmo tema, revela bem o sofrimento provocado nas populações pela consequência desses ideais, sem excepção. Não vamos pensar que todos os alemães eram nazis. Muitos daqueles que se manifestaram de alguma forma contra o regime ditatorial, sofreram as consequências, chegando mesmo alguns a pagar com a própria vida a sua audácia. Depois, com as consecutivas invasões, esse extermínio estendeu-se a outros países. O mesmo ambiente de medo e desconfiança, as denúncias…
Uma das boas razões porque se estuda a História, é não só para aumentar a cultura dos alunos, ou chateá-los com datas, pessoas que já morreram e factos passados, mas é, sobretudo, para podermos reflectir, enquanto adolescentes, e aprender com os erros do passado de forma não contribuir, no futuro, para a realização da sua repetição. Sobretudo ter a sensibilidade e a inteligência de ler os sinais que poderão contribuir com um retrocesso na História da Humanidade. Mas, para além da História, os documentários com os testemunhos das pessoas que sofreram os horrores físicos e psicológicos (e psíquicos!) dessa época, debaixo do domínio do regime nazi, e das directivas que o orientavam. Talvez, estes testemunhos na primeira pessoa sejam os que melhor traduzem todo aquele horror. Não esquecer os diários que sobreviveram àquela época e que corroboram em tudo o que os documentários revelam. Isto, para já não falar dos próprios soldados russos e americanos que libertaram os prisioneiros dos campos de concentração e que observaram presencialmente, e em primeira mão, o estado das pobres pessoas aprisionadas.
O que me admira são os novos movimentos, que se regem pelos mesmos ideais e que parecem ganhar, cada vez mais, adeptos, apesar da informação toda que existe. A acrescentar a isto, o que chega a ser incrível é a audácia de rejeitarem a própria História, chegando ao ponto de negar certos factos por todos já aceites como uma verdade inequívoca. Depois, o ódio e a violência inerentes a estes grupos assusta qualquer um, quanto mais pactuar com eles… Há certos ideais que têm de ser submetidos a uma séria reflexão, e há que pensar nas consequências reais deles, antes de serem abraçados pelos adolescentes e jovens. Há que pensar seriamente, porque nem vale a pena imaginar o que será uma sociedade submetida a tais ideais, pois disso já temos, infelizmente, exemplos bastante concretos e elucidativos e ainda não muito distantes no tempo.
Fátima Nascimento.
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