A minha mãe chegou a casa aborrecida. Tirou o casaco e começou a raspar a unha junto do decote.
- Brincadeiras parvas! – queixou-se ela. – Uma rapariga chegou por trás de mim, colocou a mão no meu ombro, dizendo “No Carnaval nada parece mal!”
A minha mãe é dos anos em que o Carnaval misturava farinha, ovos nas brincadeiras… talvez por isso não tenha sido muito ríspida na avaliação.
Ao olhar para a pastilha elástica, azul clara, mastigada, destacando-se da negra malha do casaco curto, saiu-me um comentário que espelhava bem o meu sentimento em relação a tal atitude:
- Isso não é brincadeira, é maldade!
Desde há uns anos para cá que o Carnaval não me diz nada. Ao princípio pensei que fosse da idade. De facto, já não ligo a esta época como costumava fazer. Sou da época das serpentinas e dos papelinhos redondos coloridos, das roupas antigas, que retirávamos das arcas, e com as quais nos mascarávamos. Lembro-me especialmente de um saia de alças preta, de decote redondo bordado a flores coloridas que se destacavam alegremente do negrume, com várias camadas de tecido leve e transparente, que os meus vizinhos, mais entendidos nas questões de roupa, identificaram como sendo uma camisa de dormir. Não sei se era, mas fazia as minhas delícias. Caía direito, tapando as minhas pernas, até roçar o chão. A partir das improvisadas máscaras, inventávamos as brincadeiras que nos ocupavam as tardes e as manhãs dos dias prévios ao Carnaval. Não nos cansávamos. Foi sempre assim que eu encarei esta época, e só assim tem interesse. Gosto dos bailes de máscaras em que as pessoas escondem a sua verdadeira identidade, assumindo a identificação da máscara usada. Não gosto e nunca gostei da maldade que se quer fazer passar por brincadeira. A única maldade que me lembro daquela época, estava relacionada com camisa negra, que um dos vizinhos, teve a amabilidade de criticar dizendo que eu parecia uma viúva. Por momentos, senti a minha ilusão tocar a decepção, com as palavras mal intencionadas. Mas, como todas as crianças, eu tive aquela capacidade, na altura, de superar aquele mau momento e voltar a imergir na personagem que desempenhava. Os maus momentos, voltavam sempre que o homem se acercava da área em que brincávamos, sempre com o mesmo comentário sarcástico. Até que desistiu. As crianças têm esse poder sobre os adultos, pelo menos algumas, aquelas a quem os adultos deixam ser crianças não as transformando, como muitas outras que eu conheci (e conheço), e que mais não eram que adultos em ponto pequeno, no mau sentido da palavra.
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