Um dia, a minha filha mais velha chegou a casa e, enquanto estava a preparar o jantar, veio até mim e começou a conversar. Não é muito habitual nela. De todos os meus filhos, é a mais reservada. Também nunca forcei nada. Basta-me que saibam que estou presente sempre que precisam de mim. Nunca gostei de controlar porque aprendi que ninguém controla ninguém e que os mais controlados são exactamente os que metem em apuros. Conheci muitos casos ao longo da minha vida! Contou-me que, nessa tarde, durante uma aula, a turma estivera a conversar com uma professora sobre as notas, e uma das alunas mais fracas, comentava que tinha de subir as notas senão, como represália, a mãe retirar-lhe-ia o telemóvel. A minha filha ficou espantada. “Eu sei que tenho de levantar as notas, não preciso que ninguém me tire nada!”, replicou. A professora não ficou indiferente à sua intervenção: “É assim que deve ser!”, comentou. A outra rapariga remeteu-se ao silêncio. Escusado será dizer que fiquei orgulhosa. Não tenho uns filhos muito estudiosos, mas são boas pessoas. Orgulho-me disso. Ela está no décimo ano, e, como não estava habituada a estudar muito, tirou algumas negativas no primeiro período. Ficou inconformada! E serviu-lhe de emenda! Recuperou as notas a essas duas disciplinas, no segundo período! Lição aprendida!
Eu já tinha ouvido posições idênticas dos Encarregados de Educação da minha turma e tinha explicado que não era assim que deveriam proceder. “Se não faço isso, como é que o vou controlar”, perguntava-me um pai desesperado. Expliquei-lhe que era ajudando o aluno a estudar e não repreendendo-o ou castigando-o. Percebi que estava a usar uma estratégia que era nova para ele. Estava habituado às repreensões! Fora criado assim! Espero que tenha aprendido. Fica aqui a ideia…
Um dia destes, tive de ir ao hospital com a minha mãe, devido a uma queda, ocorrida no passado domingo. Ela telefonara-me, na terça de manhã, dizendo que não se sentia bem e que precisava de ir ao médico. Como o meu pai sofre de Alzheimer, embora ele esteja lúcido, graças à medicação acertada, não o podíamos deixar sozinho, até porque não sabíamos quando regressaríamos. Chegados ao hospital, e depois de realizada a inscrição, sentámo-nos à espera da chamada da triagem. Só havia duas pessoas à espera: um senhor de idade e uma criança, acompanhada da mãe. Como a regra hospitalar não permite mais de duas pessoas, e como não podámos deixar o meu pai sozinho em lugar estranho, sem nenhum familiar próximo à vista, e como o estado de saúde da minha mãe assim permitia, expliquei a esta que precisava de fazer uns pagamentos e que aproveitava e levava o meu pai. Metemo-nos dentro do carro e dirigimo-nos à caixa Multibanco de um conhecido supermercado. Efectuados os pagamentos, levei o meu pai à casa de banho, sempre orientando-o do lado de fora. Lá saiu. Aproveitámos para dar um passeio, ao mesmo tempo que espreitava preços e produtos. O Natal está aí, e como o orçamento familiar diminuiu consideravelmente, terei de me limitar a uma compra por mês, uma para cada miúdo, dentro de um limite. Foi numa dessas voltas, que mostrei ao meu pai o quanto estava feliz por tê-lo comigo, o quanto gostava dele e o que ele sempre representara para mim, desde pequena. Ele fora sempre o meu herói! Tudo isto foi dito de uma forma alegre e descontraída, que caracteriza nossa relação. O meu pai sempre foi um homem muito introvertido, deixando raramente transparecer aquilo que lhe ia na alma, pelo que não esperava grande reacção. Eu aproveitara aquele momento em que passeávamos os dois de braço dado, devagar, ao ritmo dele, para lhe dizer aquilo que sempre senti, mas que nunca tivera oportunidade de lhe dizer antes, convenientemente. Foi ali. Deu para ver a emoção estampada no seu rosto. Parou, voltou-se devagar para mim e olhou-me “Eu tenho muito orgulho em ter uma filha como tu! És alegre e boa companhia. Gosto muito de andar contigo.” Tudo isto numa tirada só. Nunca ele expressara de forma tão aberta e tão franca o que lhe ia na alma. Ficámos os dois parados a olhar-nos emocionados, até que eu voltei a colocar o meu braço no dele, dando início a outra volta. Encontrámos pessoas de há muito tempo, que haviam feito parte da nossa vida. Novas emoções. Novidades. No regresso, ao volante, enquanto falava com ele, eu pensava naquele momento importante, que tanta realização pessoal nos havia dado e tanta felicidade. Foram precisos muitos anos, para que, finalmente, puséssemos em palavras o que nos ia na alma!
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