12.40. Estou sentada na sala de atendimento de uma instituição pública financeira, à espera de ser atendida. A sala está quase cheia de pessoas que esperam pacientemente a sua vez. Os números passam lentamente no ecrã, colocado acima das nossas cabeças. No topo direito desse ecrã, um canal de televisão emite o seu programa que se prolonga por toda a manhã. Difícil distracção, quando temos de adivinhar o que os lábios mudos da apresentadora dizem. Chega a minha vez. Explico a minha presença naquela instituição. Não, não passam declarações com o número total de dias de descontos efectuados para aquela instituição pública. Insisto que a instituição, à qual devo apresentar essa declaração, quer o número de dias. Não, só passam declarações com a data do início e do término desses mesmos descontos. Penso para comigo que a declaração redigida naqueles termos serve perfeitamente, uma vez que prova o necessário – tenho mais de 365 dias de descontos. É isto que a instituição à qual se destina a declaração quer saber. A funcionária procura o meu número de subscritora no computador, preenche o papel que eu assino. Não, não sou Martins. Vai para cinco anos que perdi esse apelido, com o divórcio. Ela risca. Com a boa vontade de alguns trabalhadores, consigo trazer a declaração no próprio dia, que tiveram em conta o longo caminho que percorri, para ali estar. Telefona para o serviço de cadastros e avisa que já não tenho o último apelido. Volto à imensa sala de espera. Passado algum tempo, tenho a declaração nas mãos. Agradeço a dedicação da senhora e preparo-me para sair. Olho os papéis para ver se está tudo bem. Chocada, deparo-me com o apelido ainda colado ao meu nome. Volto atrás. O funcionário é outro. Substitui a colega que foi almoçar. Perplexo com a situação, ao princípio, ele não sabe muito bem como resolver o problema, sem começar tudo de novo. De repente, tem a solução: ele próprio passaria a tal declaração, assinada por ele, e com o selo branco da instituição, ficando ele com as provas do erro, caso houvesse algum problema. Mandou-me embora descansada. Regresso, no dia seguinte, à instituição com a declaração. Não foi a mesma pessoa que me atendeu. Não, não era aquela declaração, mas uma da segurança social. Expliquei-lhe o que acontecera. Não tinha os dias suficientes de segurança social para receber a bolsa por inteiro, uma vez que os professores nunca descontaram para a segurança social, mesmo quando uma vez pedi explicitamente para o fazerem, tal não aconteceu. Nunca tinham feito isso, nem sabiam como fazê-lo. Desisti. Agora, deparo-me sempre com o mesmo problema – para tudo pedem papéis da segurança social. Uma vez que descontei durante quase vinte anos, a primeira senhora que me atendera, perguntara-me se eu não poderia ir à Caixa, para a qual descontei tantos anos, e pedir essa declaração. Seguira o conselho da colega dela e deslocara-me lá na véspera, expliquei à nova senhora. Agora voltara tudo à estaca zero. Deparo-me com o problema da instituição que não passa declarações com o número total de dias de desconto e esta que não quer aceitar a declaração redigida naqueles termos, embora esteja bem explícito que esses descontos perfazem mais do que o tempo pretendido por eles. O português é bem claro – atesta o início e o término dos descontos. Não percebo a dúvida deles. Não me garantem a frequência do curso, por causa daquela declaração. A frustração tomou conta de mim. Deparo-me sempre com barreiras no meu caminho – quando não é a segurança social é a redacção das declarações. Não tenho muitas esperanças. Para terminar, a senhora foi muito animadora. Que deixasse a declaração, no meio de tantos candidatos, nada me garantiria a admissão ao curso. Isto é de doidos!
Fátima Nascimento
Desde que começamos a trabalhar, começamos a contribuir para os organismos do estado. O mesmo aconteceu comigo. O problema é que o estado tem vários organismos para os quais descontamos e não só um, como seria de esperar. E, depois, vêm as inesperadas consequências.
Quando comecei a trabalhar, falaram-me dos descontos e perguntaram-me se queria ser sempre professora ou teria em mente uma futura mudança de emprego. Eu respondi, e bem, que o ensino era o meu caminho. Então, ficou resolvido que não seria necessário descontar para a segurança social. Eu fiquei indecisa… sabia, por experiência própria, que a vida dava muitas voltas. Mas, não havia necessidade… Aceitei, embora não muito convencida. Parecia eu que estava a adivinhar. Mas o que eu nunca poderia adivinhar, era que, um dia, muitos anos depois dessa conversa, e depois de uma luta enorme para conseguir a efectivação, e sobretudo uma perto de casa, eu escolheria, num malfadado destacamento, a escola errada, com as pessoas erradas (exceptuam-se aqui os alunos) que, à falta de maior interesse, resolveram embirrar comigo, desde o início, desenvolvendo uma perseguição implacável. Como não faço mal a ninguém, não me meto na vida de ninguém, não prejudico ninguém… nunca compreendi a sede de perseguição daquela gente. As pessoas com quem trabalhei, (e foram muitas, em quase vinte anos de carreira, uma vez que só repeti duas escolas), sabem perfeitamente como eu sou, e falo de colegas, empregados, alunos, pais… nunca prejudiquei ninguém. A minha posição foi sempre a de ajudar os outros. Este ano lectivo que findou, as situações tomaram tais proporções que eu sentia-me mal, desde que entrava naquela escola até que saía. Por fim, quando me confrontaram com uma falta injustificada, comunicada dezassete dias depois, entendi que já tinham ultrapassado todos os limites possíveis e as situações alcançado proporções nunca por mim imaginadas. Tudo isto aconteceu num ano, o que não aconteceria nos outros dois que se seguiriam… Sim, porque, logo neste ano lectivo passado, a senhora ministra lembrou-se de que os destacamentos teriam a duração de três anos. Ora, depois de um ano infernal, o que não aconteceria nos outros? Foi com muita mágoa que decidi pôr fim à minha carreira, recusando, desta forma, trabalhar com pessoas que não me deixaram saudades nenhumas: nem a nível profissional, nem a nível pessoal. Agora, corro o risco de não conseguir rendimento mínimo nacional, até conseguir um outro emprego. Porque os descontos todos que fiz, e pesaram no vencimento mensal, não incluíram a segurança social. Daí a minha questão anterior – porque não descontamos todos para mesmo organismo? Assim, este problema não se colocaria… Pensem nisto antes que mais alguém se veja na mesma situação!
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