É possível confundir uma e outra? Ao que parece pode acontecer, embora nada tenham a ver uma com a outra. Para se ter coragem não é preciso ser-se mau. Até porque a maldade anda de mão dada com a cobardia. A coragem está ligada a um sentimento nobre não um sentimento mesquinho e mau. O que pode acontecer é a maldade andar de disfarçada de muita maneira, até de coragem. Por exemplo, entre os adolescentes há situações que até os mais velhos apelidam de “brincadeiras” que mais não são que uma manifestação de malvadez. Quando me perguntam qual é a fronteira entre uma e outra, eu costumo responder que na brincadeira todos se divertem sem excepção e que a “brincadeira” se transforma em maldade quando uma pessoa que seja não se diverte com ela. Na primeira não há vítimas e na segunda há sempre, no mínimo, uma. Já assisti a muitas “brincadeiras de mau gosto” que na realidade são maldade na sua mais pura manifestação. Não percebo é porque é que as pessoas têm medo de chamar as coisas pelos nomes. Talvez no medo que têm de as encarar na sua forma pura, sem qualquer artifício. Assusta, é certo! A própria coragem não se manifesta com a execução da força mas com a ausência dela. Muitas vezes, a manifestação da força mais não é que a cobardia a manifestar-se. Geralmente, a força orienta-se para vítimas mais fracas e isoladas. Aqui não é difícil perceber a cobardia. Também aqueles que sistematicamente fazem uso da sua força, ainda que seja para se gabarem, escondem sempre alguma fragilidade que alguém mais esperto e mais batido vai conseguir detectar. Depois, quem é corajoso não precisa de se vangloriar da sua coragem. É, simplesmente, não tem necessidade de a exibir. Qual é a diferença? A primeira é autêntica enquanto a segunda é só máscara. Olhando ao que se passa no Colégio Militar, ou passou, tem talvez a ver com a escolha das pessoas. Acho que o problema ali tem a ver com a incapacidade de perceber a fronteira entre pessoas corajosas e as maldosas. As primeiras fazem falta às forças armadas nacionais, a outra é desprezível e deixa um rasto de excessos onde quer que se manifeste. O pior é as pessoas que avaliaram a situação. Não sei o que se passou exactamente, mas parece ter sido grave para envolver tanta gente, e só levaram como sanção uma suspensão? Se a pena nos tribunais a pena pode ir até cinco anos de prisão, só sofreram uma suspensão da parte das entidades que avaliaram a situação interiormente? Alguma coisa está mal e acho bem que se emende quanto antes, pelo menos antes que a maldade tome proporções desmesuradas e acabe por tirar, consciente ou inconscientemente a vida a alguém. Falei aqui do Colégio Militar, mas há outras corporações onde tais “maldades” disfarçadas de “brincadeiras” tomam também contornos sinistros. E manifestam-se também contra vítimas mais novas e mais fracas. A história repete-se por aí. Há que pôr cobro a isso, em todas e quaisquer situações. É que a maldade não respeita nada nem ninguém. E, sem respeito, tudo o resto falha.
Há já um certo tempo que me interessei por esta mulher doente, um magro espectro daquela mulher que eu adivinho ter sido idealista, recta e determinada nas suas convicções políticas e sonhos. Ela sonhou com uma Colômbia diferente e, muito provavelmente, teria conseguido realizar o seu sonho, se lhe tivessem dado a oportunidade que merecia. Não conseguiu. Foi raptada, pelas FARC, em 23 de Fevereiro de 2002, exactamente numa região da Colômbia que nenhum candidato à presidência se lembraria de visitar, por medo. Ela foi. A coragem, até nesta decisão, é marcante na personalidade de Ingrid que, antes, já a mostrara, quando denunciou publicamente o mal que infestava o seu país, mesmo apesar das ameaças e da dor de se ver separada dos filhos, ela não desistiu da sua posição. Todo o seu comportamento mostra o bem que ela iria fazer por ele, se lhe tivesse sido dada uma hipótese. Passados seis anos de cativeiro, alguns reféns já foram libertados, ela não. Porquê? Olhando para o povo daquele país, facilmente se adivinha que ele só teria a ganhar com alguém como ela à frente do país. A quem é que ela não interessa então? As FARC, depois de tudo o que se sabe sobre elas, não estão propriamente nas boas graças da opinião pública, internacionalmente falando, pelo que a sua libertação só iria, forçosamente, melhorar a sua imagem. (De facto, as suspeitas de tráfico de droga, de roubo de gado, sequestro, a integração de adolescentes nas suas forças, entre outras acusações, não criará especial simpatia no povo colombiano, quanto fará na opinião pública internacional.) Incompreensivelmente, elas continuam ainda assim, a mantê-la em cativeiro… embora sabendo que ela está doente e que, a sua condição física pode, a qualquer momento, sofrer um fatal revés, perdendo elas, desta forma, a sua refém mais mediática. A partir desse momento, elas correrão o risco de ficarem entregues a elas mesmas, e a braços com a justiça internacional e com a má vontade ou indiferença dos outros povos, perante a sorte deles. Pelo que já ficou dito, as FARC nada ganham com a manutenção de Ingrid em cativeiro. . Então, volto a colocar a questão já antes formulada por mim – Quem é que poderá estar interessado na continuação do sequestro de Ingrid Betancourt? Para quem é que ela poderá ser ainda uma ameaça? Segundo um ex-refém das FARC, ela continua a sonhar com a presidência colombiana, apesar de tudo…
Todos nós tivemos os nossos heróis na infância que, na adolescência, foram substituídos pelos ídolos. (Julgo que muitos adultos ainda esperam um herói.) O que os diferencia uns dos outros é a sua natureza. Enquanto uns emergiram das páginas dos livros, dos desenhos-animados, sendo, sobretudo, fictícios, outros surgiram da obscuridade dos tempos, devido aos actos de valentia que os tornaram imortais. Eles foram muito além das normas que regulavam a vida dos povos, e que nem sempre eram justas, não perdendo eles, nunca, os ideais defensores da dignidade dos seres humanos, sobretudo dos mais desprotegidos. Depois, só surgiram os heróis porque havia vilões que eles combateram. Sempre foi assim e sempre assim será.
O que preocupa é que, quando há heróis, e estes destacam-se por ter a coragem de assumir atitudes que os outros, pelas mais diversas razões, não tomam, isso, geralmente, quer dizer que temos uma maioria, pelo menos aparentemente, amorfa. É sempre difícil ver alguém insurgir-se ou manifestar a sua opinião seja contra ou sobre o que for ou quem for individualmente… e, quando o fazem, as consequências são sempre as mesmas (ou raramente variam) – a perseguição pessoal, que pode ter as mais diversas facetas. Chegados a este ponto, poucos são aqueles que resistem, porque é sempre fácil esmagar uma só pessoa. E é o que acontece aos mais audaciosos que, individualmente, de alguma forma, tiveram a audácia de ir contra o sistema implantado. Se tivermos em mente o que aconteceu em países ditatoriais, onde pessoas desapareceram para sempre, sem deixar rasto… percebemos porque muitos deixam de lado os seus ideais. Nos países, ditos democráticos, o caso é mais complicado. As formas de perseguição ganham contornos nunca vistos, mas são, na sua maioria, mais discretos. Só as pessoas visadas sentem essa perseguição que, aparentemente, nada tem de mais e que, muitas vezes, implica mais do que uma pessoa a perseguir a mesma - sabemos (ou imaginamos) como os tentáculos do poder chegam a todo o lado. Por isso, nestes tempos, tudo parece desenrolar-se ao contrário, e é o herói que é perseguido e perde a batalha. Talvez lhe faltem os aliados com os mesmos ideais e a mesma coragem que o caracteriza, talvez seja o final desse herói que faz com que os outros escolham manifestar-se em grandes grupos, de modo a não serem identificados e a não terem a mesma sorte. Para isso, não é precisa muita coragem… só boa vontade e disponibilidade para defender os seus interesses, porque são, sobretudo, estes que levam as pessoas à rua. O resto, preferem fingir que não vêem… ou talvez pactuem com eles, mesmo silenciosamente.
Fátima Nascimento
Sempre que preciso de uma foto para ilustrar o tema sobre o qual escrevo, recorro ao trabalho de repórteres fotográficos que percorrem o mundo, mostrando dele o melhor e o pior que acontece um pouco por todo o lado. Para além do amor à fotografia, há também toda uma dedicação ao trabalho e à verdade, procurando registá-la em imagens que gravam para sempre, determinado momento desta longa e atormentada história humana. Estes homens chegam a arriscar a própria vida, entrando em determinados locais proibidos e perigosos só para captar imagens que testemunhem a veracidade das palavras daqueles sobreviventes corajosos que contam os horrores só registados pelos seus olhos. Só eles, com a sua coragem como arma, e a sua máquina fotográfica incansável marcadora de registos de horrores humanos, conseguem com poucas imagens o impacto que milhares de palavras não atingem. Nas palavras há sempre a dúvida, nas imagens há a verdade incontestável. Estes homens trocam a vida confortável e a segurança das suas vidas, e temporalmente, as suas famílias por outras que também precisam deles. E há cada registo que dói, fundo na alma, pela evidência do sofrimento e do desespero captados nos gestos, nos olhares, nos rostos de todos aqueles a quem tocou viver experiências que ultrapassam a capacidade de compreensão humana. A intenção destes homens é a de acordar os nossos espíritos adormecidos pela rotina da vida para o que se passa no mundo do qual nós também fazemos parte, e a intenção deles é a de acordar os povos de todo o mundo para a necessidade de se fazer ouvir no sentido de ajudar não só todos os seres afectados por esses horrores, criados pelos seus semelhantes, mas também para ajudar a modificar e até evitar estas situações no futuro. Mas a consciência humana parece ter arranjado mecanismos para ultrapassar estes choques originados pelas imagens e, após uma certo tempo, voltam a adormecer, como se nada se tivesse passado. Depois, há que contar também com o esquecimento que se segue sempre a esse estado de indiferença. Mesmo sabendo disto, estes homens continuam a sua incansável batalha de acordar as teimosas e indiferentes consciências tão fracas e manipuláveis. A minha admiração pelo seu arriscado trabalho que, muitas vezes, lhes custa não só a própria vida como também a vida das suas próprias imagens que não chegam aos olhos das adormecidas consciências.
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