Aqui há uns meses atrás, fui convocada para uma entrevista de emprego, numa firma bem conhecida, que abrira candidaturas para vários sectores. Nada de extraordinário que exigisse altas habilitações mas, como precisava de ter um trabalho que garantisse o salário, ao final do mês, candidatei-me, na disposição de dar o meu melhor, em troca do que estaria enquadrado no panorama actual que se vive no nosso país. Não estava em posição de exigir fosse o que fosse, uma vez que me demitira do meu anterior emprego e não recebia subsídio de desemprego ou qualquer outro subsídio.
Apresentei-me um pouco antes da hora indicada. Alguns candidatos preenchiam aplicadamente alguns formulários, debruçados sobre eles, outros, cumprida a tarefa, esperavam simplesmente. Havia um atraso considerável, pelo que tive tempo suficiente de preencher um formulário que me fora entregue por um segurança, que se levantava regularmente da sua mesa, que lhe servia de secretária, para atender solicitações internas de natureza vária.
No local, estavam dois entrevistadores, tanto quanto me foi dado perceber, um senhor alto e magro e uma senhora baixa e morena. Houve uma empatia imediata com o entrevistador masculino, muito solícito e amável para com os candidatos, algo nervosos; o contrário sucedeu com a entrevistadora que, mais vaidosa e algo arrogante, não me inspirou tanta confiança, nem aos outros, tanto quanto me apercebi. Percebi tratar-se de uma daquelas pessoas que, como o nosso povo diz “dá a chave de um celeiro a um pobre e verás um rei no seu reino”. A determinada altura, e por razões que me transcenderam, apanhei-a a observar-me, numa situação, algo ridícula, ligeiramente inclinada para trás, à porta da vasta sala, pretensamente escondida. Ao sentir-se observada, recolheu-se imediatamente no seu improvisado gabinete. Pensei para comigo que não gostaria de ser entrevistada por tal personagem.
Esqueci o assunto. Chegada a minha vez, lá estava a inusitada criatura a chamar-me, com a qual não simpatizei. Ultrapassando esse sentimento, respondi às questões colocadas, mostrando, honestamente, a minha disposição em trabalhar, independentemente da função que me fosse atribuída, do horário, da remuneração ou do esforço físico (não indiquei nenhum problema físico porque não o havia). Seria aquele o trabalho se me dessem oportunidade. O ensino faria parte do passado.
Uma ideia ficou bem sublinhada – a minha vontade de trabalhar. Não foi suficiente para preencher os requisitos necessários para trabalhar como caixa, repositora de mercadorias, empregada de armazém, vendedora, etc.. Não sei, ainda hoje, quais foram os critérios utilizados nessa selecção. Eu não sou perfeita, ninguém é, mas ainda não percebi (talvez não seja para perceber!) o que se passou. Uma certeza eu tenho, ninguém ma tira, e após a experiência que vivi naquele espaço, não posso deixar de ignorar esse facto – nem tudo depende só do entrevistado.
12.40. Estou sentada na sala de atendimento de uma instituição pública financeira, à espera de ser atendida. A sala está quase cheia de pessoas que esperam pacientemente a sua vez. Os números passam lentamente no ecrã, colocado acima das nossas cabeças. No topo direito desse ecrã, um canal de televisão emite o seu programa que se prolonga por toda a manhã. Difícil distracção, quando temos de adivinhar o que os lábios mudos da apresentadora dizem. Chega a minha vez. Explico a minha presença naquela instituição. Não, não passam declarações com o número total de dias de descontos efectuados para aquela instituição pública. Insisto que a instituição, à qual devo apresentar essa declaração, quer o número de dias. Não, só passam declarações com a data do início e do término desses mesmos descontos. Penso para comigo que a declaração redigida naqueles termos serve perfeitamente, uma vez que prova o necessário – tenho mais de 365 dias de descontos. É isto que a instituição à qual se destina a declaração quer saber. A funcionária procura o meu número de subscritora no computador, preenche o papel que eu assino. Não, não sou Martins. Vai para cinco anos que perdi esse apelido, com o divórcio. Ela risca. Com a boa vontade de alguns trabalhadores, consigo trazer a declaração no próprio dia, que tiveram em conta o longo caminho que percorri, para ali estar. Telefona para o serviço de cadastros e avisa que já não tenho o último apelido. Volto à imensa sala de espera. Passado algum tempo, tenho a declaração nas mãos. Agradeço a dedicação da senhora e preparo-me para sair. Olho os papéis para ver se está tudo bem. Chocada, deparo-me com o apelido ainda colado ao meu nome. Volto atrás. O funcionário é outro. Substitui a colega que foi almoçar. Perplexo com a situação, ao princípio, ele não sabe muito bem como resolver o problema, sem começar tudo de novo. De repente, tem a solução: ele próprio passaria a tal declaração, assinada por ele, e com o selo branco da instituição, ficando ele com as provas do erro, caso houvesse algum problema. Mandou-me embora descansada. Regresso, no dia seguinte, à instituição com a declaração. Não foi a mesma pessoa que me atendeu. Não, não era aquela declaração, mas uma da segurança social. Expliquei-lhe o que acontecera. Não tinha os dias suficientes de segurança social para receber a bolsa por inteiro, uma vez que os professores nunca descontaram para a segurança social, mesmo quando uma vez pedi explicitamente para o fazerem, tal não aconteceu. Nunca tinham feito isso, nem sabiam como fazê-lo. Desisti. Agora, deparo-me sempre com o mesmo problema – para tudo pedem papéis da segurança social. Uma vez que descontei durante quase vinte anos, a primeira senhora que me atendera, perguntara-me se eu não poderia ir à Caixa, para a qual descontei tantos anos, e pedir essa declaração. Seguira o conselho da colega dela e deslocara-me lá na véspera, expliquei à nova senhora. Agora voltara tudo à estaca zero. Deparo-me com o problema da instituição que não passa declarações com o número total de dias de desconto e esta que não quer aceitar a declaração redigida naqueles termos, embora esteja bem explícito que esses descontos perfazem mais do que o tempo pretendido por eles. O português é bem claro – atesta o início e o término dos descontos. Não percebo a dúvida deles. Não me garantem a frequência do curso, por causa daquela declaração. A frustração tomou conta de mim. Deparo-me sempre com barreiras no meu caminho – quando não é a segurança social é a redacção das declarações. Não tenho muitas esperanças. Para terminar, a senhora foi muito animadora. Que deixasse a declaração, no meio de tantos candidatos, nada me garantiria a admissão ao curso. Isto é de doidos!
Fátima Nascimento
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