Sempre vivi em contacto com a natureza. Embora vivesse, desde garota, numa pequena vila no interior do país, na minha família e/ou entre os conhecidos, sempre houve pessoas com áreas de terreno grandes onde cultivavam os mais variados legumes e criavam o mais variado tipo de animais destinados à sua alimentação. Lembro-me de comer queijo fresco das cabras, das ovelhas e ou das vacas de pessoas conhecidas, lembro-me da matança do porco em casa da minha avó materna, lembro-me também dos mais variados animais criados na tira de terreno estreita pertencente aos meus avós paternos… Também houve uma altura em que os meus próprios pais se dedicaram ao cultivo de legumes destinados à nossa alimentação. Dado o esforço que representava, (para já não falar na dedicação), depois de um dia de trabalho e noites mal dormidas, sempre achei que o talho e o mercado serviam bem, (eu também dedicava algumas horas do meu estudo à rega daqueles legumes, o que me servia de saudável distracção!). Os mais velhos sempre respondiam com uma certa graça à minha conversa travessa e explicavam, rindo-se, que era sempre bom as pessoas cultivarem o que comem, porque desse modo sabiam o que comiam. Eu, para além dos problemas conhecidos popularmente como a febre-de-malta, ou a doença dos coelhos, etc., nunca ouvira nada de extraordinário. Tudo quanto comia, desde o leite que ia buscar a casa de uma senhora que tinha várias vacas e vendia à vizinhança, (e não só), o leite e seus derivados, a fruta vinha das freguesias limítrofes pertencente àquela vila e era vendida no mercado local… eu não dava por grandes problemas relacionados com a alimentação. Agora, entendo o grave problema que é, hoje em dia, a alimentação. Independentemente dos locais de proveniência desses mesmos produtos, estamos sempre a deparar com problemas, mais ou menos graves, relacionados com ela. Não se trata só de um problema de sabor, mas de um problema de saúde pública. Então, nos últimos anos, temos sido bombardeados com notícias quase contínuas sobre os géneros alimentares que nos deixam os cabelos
Não saímos ainda de uma crise e já está anunciada outra, mais negra, uma vez que tem a ver com a subida dos preços dos bens essenciais. Como continuamos ainda dependentes dos cereais importados, pois ainda não somos auto-suficientes na sua produção, isto é, não produzimos o suficiente para o que consumimos, estamos, mais uma vez, encurralados - vamos ter de pagar mais caros os alimentos. Se juntarmos a este problema mais alguns como o desemprego, aumento do petróleo e seus derivados, o excesso de endividamento das famílias de classe média, as altas taxas de juro, a electricidade caríssima, impostos altos, vemos que o panorama é negro. O que me faz impressão, é que ninguém parece ter previsto esta situação com antecedência, ou se alguém a previu, nada fez ou já não foi a tempo, ou deixou acontecer. Se voltarmos a uns anos atrás, quando tínhamos ainda excesso de um pouco de tudo, por exemplo da produção e leite, o que levou produtoras a ir para a rua dar paletes de leite que não tinha escoamento, devido à quotas impostas da comunidade europeia, agora, não temos para as necessidades e o que temos é caro. Não se entende. Ora, com o encarecimento dos bens essenciais, e olhando aos ordenados que temos e aos problemas já atrás mencionados, depreende-se que a vida, daqui para a frente vai ser ainda mais dura. Se o dinheiro tem de dar para tudo, para as obrigações financeiras, para o gás que cozinha os alimentos, a gasolina para o carro que nos leva ao emprego, (para quem ainda tem!) na falta de transportes públicos e que nos levam a maior fatia dos ordenados, os infantários que são pagos a peso de ouro, para os pequenos, porque os estatais não têm horários compatíveis com os empregos dos pais, etc., está a ver-se onde se vai tentar poupar, ou melhor, está-se a ver que, com os ordenados que existem, não sobra nada ou quase nada para a alimentação. Como os cereais são a base de uma boa alimentação, não sei como vai ser… Sendo a alimentação a base de um corpo saudável…com a fome que já se faz sentir e as doenças que julgávamos, não erradicadas mas, pelo menos, controladas, e que parecem estar novamente a espalhar-se, como parece ser o caso da tuberculose, não sei onde vamos parar…
A reforma agrária não chegou a este país, mas, quando olho para as grandes superfícies cultivadas com girassóis, penso, com ironia, que se salvam aqueles que têm pedaços de terra cultivados com cereais, que os devem guardar para consumo próprio.
Fátima Nascimento
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