Há uma imagem que nunca se apagou da minha memória. Ainda era pequena. Um cão vadio aproximara-se de um grupo de rapazes em busca de carinho e brincadeira ou até talvez companhia. Dispunha-me a entrar em casa quando percebi que havia algo de estranho. A aparente alegre brincadeira que presenciara desde que entrara no carreiro de acesso ao portão do quintal do meu prédio, tomava agora contornos desagradáveis. Observei o animal, no meio deles, de pescoço ligeiramente erguido com as orelhas em riste e a cauda encolhida entre as pernas, contemplando docemente os rostos cruéis que pareciam urdir um plano. O animal sentia o perigo, mas continuava imóvel como se esperasse uma milagrosa mudança de atitude dos humanos. Parei e esperei. Estaria enganada? Por instantes a cena pareceu ficar suspensa. Nenhuma das personagens daquela estranha cena se mexia. O meu receio aumentou até tocar a angústia. Parecia uma gata pronta a lançar-me sobre aqueles ratos humanos que continuavam imóveis com o animal no meio. O dócil animal não lhes fizera mal algum. Limitara-se a seguir o grupo que não conseguira sacudi-lo. O pobre animal pareceu arrepender-se da sua audácia. Estava prestes a sofrer as consequências e sentia isso mesmo. Os paus seguros nas mãos adolescentes, que, momentos antes, haviam torturado o pobre animal – foi um desses gestos que captou a minha atenção - pareceram ganhar asas voando a uma velocidade vertiginosa na direcção ao vasto olival. Olharam por cima dos ombros e de lado para a minha figura parada junto do portão, sem me decidir a tomar uma atitude. Medimos as nossas forças naqueles olhares trocados. Perceberam a minha intenção como se olhassem para uma peça de cristal. Tinham a minha altura, deveriam ser mais ou menos da minha idade ou um pouco mais altos. Não arredei pé. Estranhamente, não me sentia medo. A minha preocupação centrava-se no animal que parecia petrificado no meio daquela súbita ratoeira. Foi então que tudo se desenrolou a uma velocidade estonteante. Afastaram-se subitamente do animal, imóvel de receio, agarraram em pedras, enxotando-o como se fosse um criminoso! O animal, na sua confusão, como que libertado de correntes invisíveis, iniciou uma corrida cautelosa no sentido contrário ao local onde me encontrava, ganindo sempre que uma pedra o atingia. Os projecteis pareciam ter perdido a sua determinação. Raros foram aqueles que o atingiram.
O grupo desintegrou-se como a massa de um planeta, cujos pedaços se espalham pelo espaço
A natureza é um bálsamo para a nossa saúde, quer mental quer física. E todos sabemos disso, por isso a procuramos, com os mais variados objectivos. Uma das razões terá a ver com a comunhão que precisamos, nem que seja de vez em quando, de ter com ela. Esta necessidade é sentida, sobretudo, por aqueles que vivem o quotidiano em grandes cidades, e cujas vidas estão sujeitas a grandes momentos de ansiedade e pressão, devido às suas responsabilidades laborais e outros problemas inerentes a essas mesmas funções: ruídos, trepidação das máquinas, etc.. E há mais. O que interessa aqui salientar é o benefício não só para as pessoas que procuram a natureza, mas também a necessidade que há em respeitar a mesma natureza, de forma que a equação pessoas-ambiente saia a ganhar, o que nem sempre acontece, já que este acaba sempre a perder, quando há abusos. E todos nós temos conhecimentos de casos desses. Quantas vezes, não procuramos um lugar para estender um cobertor ou uma toalha num espaço natural, e qual não é a nossa surpresa, quando nos apercebemos do cheiro a fezes humanas (e não só!) ou então vemos o local ambicionado cheio de detritos espalhados pelos anteriores ocupantes. O que quero dizer é que nesta luta homem-ambiente, raramente é o ser humano que sai a perder mas, pelo contrário, é à natureza que cabe sempre o papel de perdedora e, quando acontece o contrário, muitas vezes, é por descuido do ser humano. O que fazer então para evitar problemas para ambas as partes, sobretudo para o equilíbrio ambiental? Há que apostar na educação e, sobretudo, na sensibilização das pessoas. Quando falo de educação, refiro-me às regras necessárias para o saudável convívio entre homem e natureza. Mas, mais do que o mero conhecimento de regras, precisamos de compreender e sentir o que a natureza precisa, para não interferirmos no equilíbrio ambiental. Esta necessidade torna-se tanto mais imperativa, uma vez que o turismo natureza de massas está às portas e, mesmo sabendo que basta o descuido de uma pessoa para deitar tudo a perder, é assustador pensar o que muitas pessoas insensatas juntas poderão fazer.
Uma vez ultrapassado este problema, poderemos passar à fase seguinte e pensar no benefício que este tipo de turismo pode trazer às localidades perdidas nesses pequenos paraísos: dinheiro. Todos sabemos que a deslocação de pessoas implica investimento em localidades abandonadas, cuja população tem tendência a abandonar, em busca de trabalho, contribuindo, desta forma, para a desertificação de certas zonas do país. Estará a solução para estas zonas só no turismo natureza? Não creio... A curto prazo e, quem sabe a médio prazo, passará pelo turismo, mas, se não quisermos criar só um país para "inglês ver", há que investir nos outros sectores, para além dos serviços. Sobretudo na agricultura... Pelo menos, estas duas actividades têm uma vantagem sobre a indústria... não são poluentes!
Já ouvi a notícia na televisão e já li uma reportagem sobre essa ideia das 65 horas semanais de trabalho. Nesta reportagem, vários entendidos em várias matérias condenavam, por razões bem justificadas, este horário. Estou de acordo com todas elas. O que mais me choca nesta proposta, é perceber que só pode ter sido levada a cabo por pessoas que não sabem o que é trabalho. Sim, porque só pessoas que não dão valor ao esforço físico e psicológico envolvido no trabalho, podem falar em horários semanais destes ou fazer propostas ainda piores, como já aconteceu (78 horas!). Parece que estamos a tentar seguir o exemplo escravizante dos países subdesenvolvidos que ainda vivem os problemas da Europa do século XIX e que são continuamente denunciados das mais variadas formas, através dos meios de comunicação. Estes trabalham muitas horas em troca de um magro salário, pagos por patrões gananciosos e sem escrúpulos. Aqui, na Europa, que já evoluímos no bom sentido, há muitos anos atrás, embora ainda exista muito por fazer. Há muitos trabalhadores com salários em atraso, despedimentos consecutivos, empresas que encerram devido a esquemas pouco claros que defendem exclusivamente a cega ganância de alguns patrões. Há trabalhadores a quem não são pagas as horas extraordinárias… enfim, ainda estamos longe da perfeição, se é que ela existe, o que sinceramente duvido. Ora, se agora, e ainda para agravar mais a situação em que vivemos, falam de horários semanais alargados que parecem querer substituir as horas extraordinárias já existentes e, desta forma, poupar alguns tostões aos patrões. Como ficamos? É claro que quem faz estas propostas pensa sempre nos desesperados que, à falta de melhor, se sujeitam ao que lhes aparece, concordando com as condições que lhes são impostas. E quem os pode censurar? Eu não me atrevo porque já passei por situações difíceis e tive de me sujeitar… compreendo-os muito bem. O que me revolta é o oportunismo daqueles que têm a faca e o queijo na mão e que poderiam fazer algo para melhorar este estado de coisas e nada fazem a não ser piorá-lo! O que mais me assusta é perceber que o ser humano mais facilmente recua do que avança. O avanço é sempre feito de grandes conquistas e há sempre alguém disposto a impedir ou a tentar recuar no tempo, em direcção a objectivos escuros, muitas vezes sugeridos por alguém com poder, que nada tem a perder com estes recuos no tempo. São mentalidades mesquinhas saciadas por um egoísmo incomensurável, em que o Eu não se identifica com os outros de estrato social diferente do seu.
Graças a Deus que ainda há pessoas sensatas sentadas nos lugares certos, para poderem travar este tipo de abusos. Mas… por quanto tempo? Será que nós, os eleitores conhecemos realmente as pessoas em quem votamos? Já não falo do cabeça de lista mas de todos os outros que o acompanham… e até que ponto os governantes têm poder negocial? Valham-nos também alguns patrões que são uma mais valia para a nossa sociedade, e que, não fazendo muito, vão fazendo algo pela nossa sociedade. O que sempre defendi e parece ser uma realidade cada vez mais forte, é que as más pessoas dão maus profissionais e as boas dão bons profissionais… e isto é válido para todos!
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