Creio que a vida atribulada e a poesia.
Há algum tempo atrás, enquanto falava com um amigo meu espanhol, ele respondeu-me, a determinada altura, com um verso de um soneto que me era familiar. A alegria saltou do meu peito ao mesmo tempo que lhe dizia “Isso é um verso de Camões! Tu conheces Camões!” ao que ele me respondeu que não, que era Quevedo. Não podia ser! E eu insisti. Poderia ter Quevedo “copiado” o verso do soneto de Camões? A resposta foi clara e rotunda. “Não, estávamos a falar de uma poesia e de um poeta superiores. Esqueci o assunto.
Passados uns meses, uma amiga minha publicou um soneto de Quevedo que eu li com muita atenção. Para grande surpresa minha, voltei a encontrar o mesmo verso e, após uma rápida análise, dois versos do soneto de Camões, entre outras semelhanças. Para mim, uma coisa era certa - Quevedo tinha lido Camões. Não podia ser o contrário pois o poeta espanhol nasceu no ano em que Camões morreu e, se recordarmos os dados históricos, nessa altura, estávamos debaixo do domínio filipino e Portugal não passava de uma simples província espanhola. Como nobre que era, Quevedo tinha acesso a muitas obras, e teve, sem dúvida alguma para mim, acesso à obra de Camões.
Respondi à minha amiga que havia dois versos iguais aos de Camões. E transcrevi os versos para provar o que dizia. Não me lembro de ter obtido resposta. Talvez um sorriso de concordância. E foi tudo. Ninguém parecia querer pronunciar-se sobre o tema. Voltei a falar com aquele meu amigo, estudioso da designada “época de ouro” - creio que se chama assim - e com outro amigo também. Um deles, o estudioso, disse-me que entrava dentro do que na altura se designava de “cópia”. Era algo natural, ao que parecia. O outro limitou-se a reconhecer a estranheza de haver dois versos iguais aos do soneto de Camões.
Comentei isto mesmo com outra amiga que se mostrou espantada também. Eu achava impossível ter sido a única a dar por isso desde há quase cinco séculos para cá. Mais alguém deveria ter descoberto isso. Essa minha amiga, empolgada pela “minha descoberta”, procurou na internet informação sobre o assunto. E, como não podia deixar de ser, havia um artigo que falava das semelhanças entre os dois poetas. Mais alguém tinha dado por isso! E tinha de ser inglês. Tentei descobrir ainda mais lendo o artigo que esse estudioso escrevera mas só a parte superior estava disponível. Para ler o restante, e segundo informação disponibilizada pelo site visitado, teria de pagar 30 euros. Ora, não precisava que o inglês me dissesse algo que eu tinha descoberto por mim mesma. Até porque não tinha 30 euros para investir na leitura do artigo ou lá o que era.
Mas, basta de alongar-me sobre o assunto. Deixo-vos os dois sonetos para que os leiam e tirem as vossas conclusões.
Amor é fogo que arde sem se ver; Es hielo abrasador, es fuego helado,
é ferida que dói e não se sente; es herida que duele y no se siente,
é um contentamento descontente es un soñado bien, un mal presente,
é dor que desatina sem doer. es un breve descanso muy cansado.
É um não querer mais que bem querer; Es un descuido que nos da cuidado
é um andar solitário entre a gente; un cobarde con nombre de valiente,
é nunca contentar-se de contente; un andar solitário entre a gente
é (um) cuidar que se ganha em se perder un amar solamente ser amado.
É querer estar preso por vontade, Es una libertad encarcelada,
é servir a quem vence o vencedor, que dura hasta el postrero paroxismo;
é ter com quem nos mata lealdade. enfermedad que crece si es cuidada.
Mas como causar pode seu favor Este es el niño Amor, éste es su abismo.
nos corações humanos amizade mirad cual amistad tendrá com nada
se tão contrário a si é o mesmo Amor? el que en todo es contrario de si mismo.
Luís Vaz de Camões Francisco de Quevedo
Posso dizer que gosto dos dois sonetos, e que me alegra que Quevedo tenha lido e gostado tanto de Camões que o teve como exemplo neste seu soneto que não deixa de ser belo também.
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