Foi uma verdadeira explosão cujo eco se repetiu até aos confins do mundo! Eu, que vivo um pouco alheada destas questões sociais, fui alertada por uma amiga que me contou resumidamente o que se tinha passado. Se não ouvira falar de Susan Boyle? Não, não tinha. Enviou-me um link para que pudesse descobrir o vídeo que a popularizou na internet, mais concretamente no Youtube. Acompanhei o vídeo com interesse indignando-me com a atitude do público presente, até dos membros do júri, cujo choque, em pleno rosto, dificilmente conseguiam esconder… Os produtores do programa, que já conheciam Susan Boyle e a sua surpreendente voz, fizeram questão de evidenciar a sua imagem física e a sua presença tímida, preparando já toda uma situação que rumava àquilo que eles pretendiam – o choque do público. Ela parecia perdida no meio deles, enfrentando uma exposição a que não estava habituada, dir-se-ia mesmo com vontade de desaparecer. Eles, com as suas piadas, procurando aparentemente descontrair a concursante… Até que chegou o momento da entrada em palco e toda a reacção pública já descrita. Eu própria, devo confessar, não sabia muito bem o que poderia esperar dela. Rezei interiormente para que tivesse algum trunfo escondido na manga que a salvasse de uma humilhante passagem por aquele concurso. Mesmo já conhecendo a história! E realmente tinha! Toda a sua personalidade se modificou assim que soltou a sua voz. A mulher tímida e quase apagada, que parecia encolhida em cima do palco, transfigurou-se exibindo a sua verdadeira personalidade. Quando terminou, voltou à mulher tímida e aparentemente insignificante, desejosa de abandonar o palco, uma vez concluída a sua actuação.
Interrogo-me se o seu real mérito estará unicamente na sua extraordinária voz! Julgo que, com o aparecimento de Susan naquele espectáculo televisivo, todos aprendemos a velha lição que parece nunca mais encaixar nas cabeças – não devemos julgar as pessoas pela sua aparência. Ao observarem aquela senhora de aspecto humilde e tímido, que escandalizou todos ao querer comparar-se à celebérrima Elaine Paige, logo ela de quem ninguém esperava nada de bom… todos pudemos observar o ar dos espectadores e do júri e ler nas suas caras interrogações do género “De onde saiu este espécime?” Pareciam mesmo escandalizados com o atrevimento de tal criaturinha! A forte e má impressão manteve-se até ela surpreender tudo e todos quando colocou no ar a sua encantadora voz potente que ondulava no ar ao sabor da melodia. Pergunto-me quantas Susan Boyle haverá por esse mundo fora desperdiçando um talento que ninguém poderá, alguma vez, e infelizmente, apreciar… e o mundo precisa tanto de surpresas boas como esta, para evitar continuar moldado por inúteis ideias preconcebidas.
Nunca olhei a raças, credos ou culturas… sempre me concentrei na natureza humana. Como tal, consigo ultrapassar muitos dos preconceitos que dominam as sociedades. Não sou a única a fazê-lo. Como tal, aceito as relações homossexuais, assim como nada tenho contra a adopção de crianças pelos mesmos. Considero “BrokebackMountain" um dos filmes de amor mais bonitos da história do cinema. Qualquer relação baseada no amor é bonita. Sejam elas de natureza heterossexual ou homossexual. Defendo o direito à união matrimonial e à adopção. Há, no mundo inteiro, crianças necessitadas de pessoas, casais ou não, que as amem e protejam, seja qual for a sua orientação sexual. Sempre defendi que as crianças precisam antes de mais, de alguém que as ame e as proteja. E isso pode vir de qualquer ser humano dotado de boa índole, que possua uma enorme e verdadeira capacidade de amar. Porque, para além das diferenças, somos antes de mais, seres humanos. E é no ser humano que temos de apostar, independentemente das diferenças, que são menores, quaisquer que sejam. O que é mais difícil de perceber é a natureza do ser humano que temos pela frente. E, deixemos de rotular estes e aqueles, porque a maldade reside, muitas vezes, onde menos se espera. Ninguém é mau só porque é diferente. Eu não sinto os homossexuais diferentes de mim. Tenho amigos homossexuais, de ambos os sexos, que são excelentes pessoas e que precisam, como todos nós, de sorte para serem felizes. Alguns deles dariam excelentes pais, mais do que alguns heterossexuais que conheço e que, de pais, têm muito pouco ou mesmo nada. Tudo é relativo. O que temos é de deixar de rotular as pessoas, uma vez que isso não nos torna mais felizes ou aos outros. Um dia, ao falar de homossexualidade junto de adolescentes, estes mostravam-se muito renitentes, com a ideia de que aqueles eram pessoas doentes que andavam a perseguir outras para fins de natureza sexual. Há de tudo. Há heterossexuais que são doidos por sexo e há aqueles mais calmos. O mesmo se passa com os homossexuais. O que não podemos fazer é acusá-los injustamente de todas as perversidades só por serem supostamente diferentes. O que é ser diferente? Para mim, não é, certamente ser-se homossexual, é ser-se um monstro com rosto humano. Estes é que são perigosos. Por que o mal existe e o ser humano não é invulnerável ao mesmo. O facto de o exemplo ser marcante para a criança, isto não está bem estudado. Depois, qual é o mal de vir a ser homossexual? Não é crime. Na vizinha Espanha, já se evoluiu nesse sentido. Não muito, porque a lei não acaba com os preconceitos, mas ajuda. A pouco e pouco, a homossexualidade vai ser aceite e as famílias, constituídas por casais homo ou heterossexuais, vão poder confraternizar em harmonia, sem qualquer tipo de medo infundado. Há que avaliar o ser humano pela sua natureza, boa ou má, não pela sua raça, etnia, cultura, posição social ou inclinação sexual. O mal é transversal a estas diferenças anteriormente apontadas. A questão é saber onde reside o mal. E isso é o mais difícil.
Já se vem falando desde há algum tempo. Primeiro, não passavam de previsões nas quais não se perdia muito tempo a pensar. Depois, passaram a avisos sérios vindos de cientistas profundamente preocupados com a situação do planeta, mais concretamente a poluição, e com o desaparecimento de algumas espécies animais e vegetais. Agora, fala-se de uma intervenção urgente junto de algumas zonas já muito afectadas pela acção humana, para evitar o desaparecimento de algumas espécies únicas em todo o mundo. Ao longo da história do nosso planeta vimo-nos confrontados com desaparecimentos e estou a lembrar-me de um, em particular, talvez por ser o mais conhecido – o dos dinossauros. Mas esta foi, segundo se pensa, um desaparecimento que se deveu a um acontecimento excepcional, que levou à extinção desses animais. Depois desse, houve outros, não já devidos só à acção da evolução natural, mas algo mais premente – a acção humana. Só que esta, desde há uns anos para cá, tem sido determinante na vida do planeta, condicionando-o de uma forma alarmante. O que antes levava alguns milhares de anos a extinguir-se, na força da evolução ou não, agora, basta alguns anos, não muitos, para se atingir esse patamar de extinção. O que parece esquecer ao homem, encerrado em selvas de betão e cimento, e afastado da natureza, é que essa acção acabará por afectar o próprio ser humano, de muitas maneiras, algumas das quais só avaliadas após a própria extinção, se isso for possível. Não falo só da riqueza assente na pluralidade de espécies, refiro-me também àquilo que a própria natureza tem para nos dar, bem-estar psíquico e físico. Não poderemos contar, para sempre, com a actividade química desenrolada nos laboratórios, até porque há substâncias que só se podem encontrar na própria natureza. E, em termos humanos, é tudo preocupante, porque embora sejamos, muitos de nós, adeptos de tratamentos baseados em substâncias retiradas da natureza, a sua procura frenética poderá levar à ruína da própria natureza. O que mudou, ao longo da evolução humana, foi a relação com a natureza. Ante, estávamos dependentes dela, e tínhamos consciência disso mesmo, agora, continuamos dependentes, mas parece que deixámos de ter consciência disso. Agimos em prol do enriquecimento, sujamos o planeta em nome do emprego, do enriquecimento e da própria evolução, esquecendo-nos de que há outras formas, igualmente boas ou até melhores, de evoluir. O que acontece é que, enquanto houver alguém a ganhar, de alguma forma, com esta acção irresponsável e indiferente, em relação à natureza, nada irá mudar. O que é urgente perceber é que o planeta é a nossa casa, e se ela estiver suja, como poderemos nós ter saúde? Acredito na vida noutros planetas. Para mim, o espaço é infinito, pelo que mais longe ou mais perto deverá haver outros sistemas solares com vida mais ou menos idêntica à nossa. O que mais me custa perceber, é que devemos ser os únicos a contribuir para a extinção da vida no nosso planeta, a nossa incluída. Aproximamo-nos, sim, do fim de mais uma era e, ao que parece, a uma velocidade estrondosa. Os responsáveis directos? Nós, os seres humanos.
Foi por aí que eu comecei. Tal como todas as pessoas da minha geração, li os livros dos escritores que enchiam as prateleiras das livrarias-papelarias da pequena vila onde morava. Na minha família não havia hábitos de leitura. O meu pai lia o jornal, nas pausas do emprego, que era fielmente entregue todas as manhãs. Em casa, só quando havia algum acontecimento extraordinário que abalava o mundo, o fazia investir na compra de um jornal. O dinheiro não abundava. A minha mãe não frequentou a escola, pelo que todo o dinheiro empatado em livros era um desperdício. À mesa conversava-se pouco, o cansaço, após um dia de trabalho, não permitia. Mas havia dias de lazer em que a tradição oral ocupava os tempos mortos. As histórias de vida, vividas por familiares chegados, ou pelos meus próprios pais, protagonistas de algumas bastante hilariantes preenchiam por alguns idílicos momentos. As minhas avós eram uma fonte de água límpida de onde jorravam as mais curiosas e interessantes histórias de vida, como também reproduziam as da tradição oral que alguém, outra, lhes havia contado. Fui uma das privilegiadas. Para além de uma ouvinte atenta deixava a minha imaginação mergulhar nas narrativas orais. Quanto aos livros, os primeiros que conheci, encontravam-se alinhados numa prateleira do quarto de uma vizinha de brincadeiras. Para além das histórias propriamente ditas, começaram por ser as imagens a mexer com a minha imaginação. Era como se, ao olhar para elas, eu deixasse o meu corpo físico para penetrar no universo daquela ilustração. E brincava com as personagens, no seu universo seguro e encantado. Começar a ler os livros sem gravuras foi mais difícil. Enquanto as minhas vizinhas liam pequenos romances de aventuras, eu parecia continuar agarrada àqueles livros infantis onde encontrara um mundo encantado e feliz. A mãe de uma dessas pequenas companheiras de brinquedos ficou escandalizada quando percebeu que eu ainda não lera um romance. Mostrou-me a conhecida prateleira de vários andares, dispostos de forma artística, onde os livros bocejavam, sonolentos, à espera da vontade curiosa de um hipotético leitor que se atrevesse a percorrer os tesouros neles guardados. Olhei-os desconfiada. Folheei-os rapidamente. Escolhi aqueles que tinham algumas figuras ilustrativas da estória contada. Comecei devagar, sem grandes expectativas. Mas, a certa altura, o entusiasmo começou a crescer e tornou-se voraz. Li quase todos os livros da biblioteca infanto-juvenil das minhas vizinhas. E tinham colecções! Já adolescente, procurava os livros nas livrarias. Descia as longas colinas crestadas sob um sol intenso, para as visitar! Já adulta, tentei reencontrá-los como se procura um velho e querido amigo! Alguns consegui, outros não. Mas ainda os busco… Nunca mais esqueci o nome das autoras dessas obras assim como o seu conteúdo. Não me lembro de nenhuma obra para adultos que me tenha marcado tanto como aquelas que eu li na infância e adolescência. As obras da literatura para adultos sucederam-se numa vertiginosa corrida a que já me habituara na infância e adolescência, quando lia na penumbra do meu quarto, à revelia da autoridade parental. Se também me marcaram? Claro que sim… mas não de uma forma tão vincada como aquela. Estas são como rostos na multidão: uns ficam marcados e outros esquecidos. Por tudo aquilo que já foi dito, há que dar mais destaque à literatura infanto-juvenil pela importância que assumem nas nossas vidas. Talvez, por isso mesmo, muitos pais dêem a ler os autores consagrados mundialmente aos filhos em idade precoce, por saberem a importância da leitura nestas idades… eu não!
As memórias são algo muito curioso, pelo menos as que se relacionam com a infância. Podem nem estar relacionados com grandes acontecimentos, por vezes, são mesmo detalhes que vivem nos subterrâneos do nosso subconsciente durante quase toda uma vida para, de repente, despertarem e invadirem a privacidade do nosso consciente, como dragões há muito esquecidos e enterrados debaixo das várias camadas de terra. Há muito que não me lembrava disto, há muito que tal não me acontecia… Foi numa manhã, quando entrava na sala dos professores da escola, onde me encontro actualmente a leccionar, quando o meu olfacto me despertou a atenção para um cheiro que se insinuava pelo ar morno da sala. Um cheiro que me fez regressar a lugares recônditos da minha memória. Subitamente, vi-me catapultada para o infantário da minha infância. Para as pequenas mesas, rodeadas de cadeiras do mesmo tamanho, em cima das quais repousava um prato fumegante com umas papas que eu, ainda hoje, não consigo identificar… a não ser pelo cheiro! Não gostava particularmente do sabor mas, à semelhança das outras crianças, comia-a. Não sei se era a refeição da manhã ou do meio da tarde, a noção do tempo perdeu-se no nevoeiro da memória, e a imagem que obtenho dele surge desfigurada. Mas o cheiro ficou gravado, como um resistente fóssil, na minha já longa memória.
Olhei à minha volta à procura do responsável por tão grande e esforçada viagem ao meu passado longínquo, quando tantas memórias mais recentes parecem ter-se desvanecido como que por magia. Devo ter pensado em voz alta porque a Auxiliar de Educação, responsável pelo bar dos docentes da escola, respondeu de trás do balcão:
- Professora, acabei de deixar verter o leite fervido! – exclamou, enquanto se atarefava na limpeza do pequeno bico.
Estava explicado o mistério, mas só em parte: a papa que eu comia no infantário, e que tinham um aspecto esbranquiçado, eram cozidas no leite, e o sabor ao qual nós, as crianças, torcíamos o nariz, era a do das papas que se queimavam ligeiramente e se agarravam ao fundo e às paredes do tacho, criando uma mancha castanha-clara, com a qual todos nos familiarizámos ao longo das nossas vidas. Mas a papa, essa, ainda constitui um mistério guardado no cofre da minha memória. Não a consigo identificar. Nunca mais comi algo que se lhe pudesse assemelhar. A memória olfactiva ficou ligada, definitivamente, à sala do meu infantário, contígua à cozinha do mesmo.
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