De tempos a tempos, ouvimos falar de casos que prescrevem na justiça e de outros que correm esse risco. Apesar de sabermos que os meios de investigação são escassos e a justiça demorada, saem, inexplicavelmente, leis que encurtam os prazos que levam os processos a sair do segredo de justiça, o que compromete irremediavelmente o curso das investigações, por motivos óbvios. Agora, vieram a lume os cerca de 420 processos ligados à investigação do crime de corrupção, que correm o sério risco de ficarem inviabilizados, devido estarem num impasse. Se juntarmos a estes factos, as declarações do ex-ministro, João Cravinho, que aponta o dedo ao seu próprio partido, ficamos com a ideia de que este país é o local ideal para se praticar o crime perfeito: nunca é descoberto. Não se trata de incompetência das autoridades investigadoras, a meu ver, trata-se mais de directivas, vindas dos órgãos do poder, que aliadas à falta de recursos que não convém dar aos investigadores, ( a Dra. Maria José Morgado já se queixou dos programas informáticos das várias polícias que não permitem ou tornam difíceis o cruzamento de dados, dificultando as investigações, não sei se já resolveram o caso ou não) para que eles, no seu trabalho diário, não possam avançar mais velozmente no seu trabalho. Assim, as conclusões destes serão sempre adiadas ou nunca se realizarão. Ora, se João Cravinho tinha um pacote legislativo, segundo ele, capaz de combater eficazmente a corrupção, porque é que mexeram no trabalho dele? Tudo parece estar a favorecer a própria corrupção. Não me refiro à pequena corrupção, que, a haver, acaba sempre, quando é apanhada, por ser eficazmente reprimida, refiro-me à alta, à corrupção dos intocáveis, que não são apanhados, não pela esperteza deles, mas devido a todo um favorecimento, intencional ou não, que os protege. Não sei onde vamos parar mas, para já, com a justiça demorada e com o entrave às medidas que poderiam ser, à partida eficazes, poderemos concluir que o investimento mais lucrativo, e até prova em contrário, é a corrupção. Até haver uma vontade política séria, capaz de resolver este problema, que eu duvido que venha, alguma vez a existir, tudo se irá manter na mesma…
Há uns anos atrás, presenciei um caso que me chocou, numa reportagem televisiva. Haviam chegado aos EUA, os corpos de não sei quantos jovens mortos, já não me lembro onde. Vi a dor profunda e avassaladora estampada no rosto daqueles pais, como se lhes tivessem arrancado um órgão vital do seu corpo. Nunca esqueci aquelas imagens. A revolta de alguns pais inconformados com a perda dos filhos e os comentários pertinentes que foram, na altura, realizados pelos manifestantes, que ocupavam as imediações da local da cerimónia, empunhando cartazes. A população americana é, ainda hoje, um dos principais alvos deste tipo de perdas, devido ainda à política externa dos EUA.
Hoje, tudo isto regressou de forma violenta ao meu espírito, devido ao anúncio do regresso a casa dos soldados mortos, durante uma batalha (das muitas que tiveram lugar na Guiné), há muitos anos atrás, e cuja vala comum foi descoberta há pouco tempo, por um grupo de portugueses que se deslocou àquele país. É com uma grande emoção que presto homenagem àqueles jovens que, ao serviço de um governo despótico e ganancioso, perderam a vida; quero manifestar também o meu repúdio por aquele governo, que enviou aqueles e outros jovens, numa tentativa de subjugar aquele povo africano, inculcando-lhes a ideia de estarem a servir a pátria. Todas as pessoas que saibam usar a cabeça, percebem que, toda a intervenção dos nossos soldados fora das nossas fronteiras, nada tem a ver com os interesses dos portugueses, talvez até lutem contra os interesses deles, se olharmos ao esforço financeiro que isso implica na vida de cada cidadão, que luta, no dia-a-dia, pela sua magra subsistência, e que, para além disso, paga os impostos que são gastos nelas. Foi o que aconteceu no passado, é o que acontece presentemente e o que acontecerá, provavelmente, no futuro, uma vez que isto é um problema a nível mundial e não local. A população dos EUA está, neste momento, a par com outros países que se aliaram à política externa deles, a pagar a alta factura em termos de perdas de vida, para já não falar do dinheiro dos contribuintes, pagando muitos destes duplamente esta factura. A questão é: vale a pena fazer a guerra em países distantes, sob que pretexto for?
Eu, particularmente, não quero o meu filho envolvido em guerras a defender interesses particulares… quem os quer defender, pegue em armas e vá defender aquilo que quer para si, e não transforme esses interesses pessoais em pretensos interesses nacionais! Mas estes sabem que, enquanto houver pessoas dispostas a pagar, há sempre outras dispostas a matar! Pelo menos, que não enganem os jovens… embrulhando as verdadeiras razões num papel bonito, como se de um presente se tratasse! Que digam aqueles que se bateram em guerras e, ainda hoje, sofrem as consequências delas… tanto físicas como psicológicas.
Eu também fui uma criança da rua, mas na década de 70, com a agravante de ser uma miúda, o que nunca foi bem visto pelos mais conservadores. Contudo, ser criança da rua, na década de 70, numa pequena vila do interior, não é o mesmo que sê-lo, agora, e, ainda por cima, nos arredores de uma grande cidade, onde o perigo é muito maior. Hoje em dia, esta situação ainda é comum, em famílias cujos progenitores trabalham e não têm quem olhe pelos filhos, durante a sua ausência, devido às magras e suadas finanças e também devido à ausência de familiares, próximos ou distantes, capazes de o fazer.
Os meus pais trabalhavam durante o dia, o meu pai, muitas vezes, de noite, pelo que precisava de recuperar essas horas de sono perdidas, durante o dia. Esta ausência levou-me a criar um ambiente, (por vezes pesado, devido ao silêncio e ao vazio), só meu. Eu decidia como distribuía o meu tempo e o que fazia com ele. De todas as famílias que habitavam nas imediações do meu bairro, só um amigo meu de infância estava em circunstâncias semelhantes às minhas: ambos os pais trabalhavam, embora tivesse os avós maternos que olhavam por ele e pela irmã mais velha. Todas as outras crianças tinham a mãe em casa, pelo que havia sempre alguém que ia até ao portão olhar ou chamar pelo nome dos filhos. Nesse bairro, todas as pessoas eram da mesma cor, haviam sido formados na mesma cultura e professavam a mesma religião. Nada nos distinguia, para além da natureza de cada um. As casas das minhas vizinhas de infância foram uma segunda casa para mim, fazendo-me companhia nas horas vazias e, embora me distraísse em casa, havia muitos momentos em que necessitava de sentir a presença de alguém, junto de mim e, quando chegava a hora de recolher, eu regressava, muitas vezes, ao silêncio da casa vazia. Contudo, a maior parte do tempo, era passado na rua onde brincava com os rapazes ou com as moças, dependendo de quem encontrasse. O espaço imenso que rodeava as nossas casas, situadas numa zona quase limítrofe da pequena vila, onde os campos se estendiam até ao grupo de casas mais próximo, era o cenário das nossas deambulações. As ruas, onde passeávamos de bicicleta, que, muitas vezes nem alcatroadas eram, poucos carros ou pessoas desconhecidas ali passavam, suscitando sempre a nossa desconfiança, quando tal sucedia. Não tínhamos as más companhias que nos liderassem por caminhos desviantes, pelo que vivíamos num universo seguro. Fazíamos o que as crianças de hoje ainda fazem: brincadeiras e jogos de toda a espécie. Os laços afectivos que se criaram, ligam-nos ainda hoje, pelo menos a alguns de nós. São estes laços que levam muitas crianças e adolescentes a encontrar, nos outros, os alvos dos seus afectos, retribuídos ou não, e que muitas vezes substituem a família ausente ou o ambiente conflituoso do lar. Os que têm a sorte ou a facilidade em conhecer bem os amigos que os rodeiam, poderão escolher entre o que é bom ou mau para eles, os outros perdem-se em amizades duvidosas ou que adoptam na ausência de outras melhores. São estas amizades que lhes valem, pensam eles, quando têm um problema que requer solução imediata, não se dando conta que não se meteriam nas situações, se não fossem as companhias. A sorte ou o azar destas crianças consiste na capacidade de perceber a natureza daqueles a quem tratam por amigos, e nem sempre isso é fácil ou mesmo possível… uma vez que há factores que condicionam esses mesmos juízos. Eu também me enganei na opinião sobre algumas amigas… e, hoje, sei que fui e sou amiga, ao contrário delas…
Não é a primeira vez que oiço falar de um caso assim, num bairro com as mesmas características deste, edificado numa cidade do interior, e cuja construção se baseou na mesma filosofia… errada.
Há já muitos anos atrás, ainda andava eu a esquadrinhar o país, naquela vida ambulante que todos os professores têm, antes de se conseguirem efectivar, numa escola perto de casa, quando tomei conhecimento dos conflitos existentes entre habitantes de culturas diferentes, também eles engavetados num bairro com as característicasda Quinta da Fonte. Os habitantes, desconfiados, não conseguiam viver pacificamente uns com os outros, pelos mais diversos motivos e, por vezes, os problemas tornavam-se graves. Já lá vão… 18 anos! Os meus colegas, que se deslocavam para uma vila dos arredores, davam-nos conta dos conflitos graves que ali sucediam periodicamente, revelando todo o culminar de uma tensão que se adivinhava longa. Eles moravam lá perto e tinham de passar pelo foco de insegurança, sempre que se dirigiam para o emprego, e faziam-no debaixo de um medo constante de serem apanhados no meio das questiúnculas, às quais eram alheios. A insegurança era uma realidade dentro e fora do espaço do bairro.
Uma realidade saltava à vista: a mistura de culturas, raças, etc., no mesmo espaço, não funcionava. A desconfiança e o medo, aliados aos outros problemas sociais prementes, que afectam estas classes mais desfavorecidas, corroíam os corações dos moradores. Depois, não posso deixar de pensar que, embora na teoria, a ideia pudesse ter boas intenções, como afirmavam, ela não passou de uma decisão ingénua, própria de uma política de gabinete que sempre se fez, e ainda se faz, neste país. Para se tomar decisões destas ou outras quaisquer, tem se conhecer bem a realidade social e, para tal, há que efectuar um estudo de campo sério, para se poder tomar as decisões acertadas. Ou talvez a ideia não tivesse tão boas intenções assim, procurando só e rapidamente uma solução para um problema, esquecendo todas as implicações ligadas a tal decisão, e está explicada a existência destes bairros que mais se assemelham à nova versão dos antigos ghettos, onde se colocam os menos afortunados da nossa sociedade, deixando-os abandonados à sua sorte. (Haveria que conhecê-los, para criar condições necessárias ao bem-estar de todos, em vez de os engavetarem daquela maneira, o que não deixa de ser uma forma dos excluir…)
Agora, das duas uma, ou eles se dão conta disso mesmo e fazem um esforço para se entenderem e viverem o melhor possível juntos, ou então, terão eles mesmos de encontrar a solução ideal para eles, procurando novas paragens. Mas têm de se capacitar que nenhuma destas soluções é fácil…
Aqui há uns meses atrás, fui convocada para uma entrevista de emprego, numa firma bem conhecida, que abrira candidaturas para vários sectores. Nada de extraordinário que exigisse altas habilitações mas, como precisava de ter um trabalho que garantisse o salário, ao final do mês, candidatei-me, na disposição de dar o meu melhor, em troca do que estaria enquadrado no panorama actual que se vive no nosso país. Não estava em posição de exigir fosse o que fosse, uma vez que me demitira do meu anterior emprego e não recebia subsídio de desemprego ou qualquer outro subsídio.
Apresentei-me um pouco antes da hora indicada. Alguns candidatos preenchiam aplicadamente alguns formulários, debruçados sobre eles, outros, cumprida a tarefa, esperavam simplesmente. Havia um atraso considerável, pelo que tive tempo suficiente de preencher um formulário que me fora entregue por um segurança, que se levantava regularmente da sua mesa, que lhe servia de secretária, para atender solicitações internas de natureza vária.
No local, estavam dois entrevistadores, tanto quanto me foi dado perceber, um senhor alto e magro e uma senhora baixa e morena. Houve uma empatia imediata com o entrevistador masculino, muito solícito e amável para com os candidatos, algo nervosos; o contrário sucedeu com a entrevistadora que, mais vaidosa e algo arrogante, não me inspirou tanta confiança, nem aos outros, tanto quanto me apercebi. Percebi tratar-se de uma daquelas pessoas que, como o nosso povo diz “dá a chave de um celeiro a um pobre e verás um rei no seu reino”. A determinada altura, e por razões que me transcenderam, apanhei-a a observar-me, numa situação, algo ridícula, ligeiramente inclinada para trás, à porta da vasta sala, pretensamente escondida. Ao sentir-se observada, recolheu-se imediatamente no seu improvisado gabinete. Pensei para comigo que não gostaria de ser entrevistada por tal personagem.
Esqueci o assunto. Chegada a minha vez, lá estava a inusitada criatura a chamar-me, com a qual não simpatizei. Ultrapassando esse sentimento, respondi às questões colocadas, mostrando, honestamente, a minha disposição em trabalhar, independentemente da função que me fosse atribuída, do horário, da remuneração ou do esforço físico (não indiquei nenhum problema físico porque não o havia). Seria aquele o trabalho se me dessem oportunidade. O ensino faria parte do passado.
Uma ideia ficou bem sublinhada – a minha vontade de trabalhar. Não foi suficiente para preencher os requisitos necessários para trabalhar como caixa, repositora de mercadorias, empregada de armazém, vendedora, etc.. Não sei, ainda hoje, quais foram os critérios utilizados nessa selecção. Eu não sou perfeita, ninguém é, mas ainda não percebi (talvez não seja para perceber!) o que se passou. Uma certeza eu tenho, ninguém ma tira, e após a experiência que vivi naquele espaço, não posso deixar de ignorar esse facto – nem tudo depende só do entrevistado.
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