Há uns tempos atrás, na conversa com um adolescente de 14 anos, ele contava-me que encontrara uma carteira no chão, junto de um canteiro, com cerca de cem euros em notas, quando passeava com quatro amigos. A carteira voltou para o sítio onde a encontraram, juntamente com os documentos, o dinheiro foi repartido por ele e os amigos. Contou a história com a fanfarronice que o caracteriza, gabando-se dela, como se de um acto heróico se tratasse. Fizeram-no sem qualquer problema de consciência: encontraram o dinheiro, era deles. Discordei do seu ponto de vista. Se eles haviam encontrado a carteira, era porque alguém a perdera e o dinheiro pertencia, por direito, ao dono da carteira. Vi a sua atrapalhação. Nunca ninguém o fizera ver o outro lado da questão. Estivera sempre à espera que concordasse com ele, de alguma forma, ou nunca me teria contado nada. Pensara ele na pessoa que perdera a carteira? Na aflição dela? Pensara, por acaso, que ela poderia ter, naquela carteira, o dinheiro para o resto do mês? Pertenceria a carteira a algum reformado, que necessitaria daquele dinheiro para os medicamentos? Porque não a entregaram, ele e os colegas, numa esquadra da polícia, uma vez que a identificação do dono estava nos documentos da carteira? Enfim, criei-lhe uma quantidade de situações, falando-lhe calmamente, que o deixaram algo incomodado. Multipliquei este adolescente por alguns milhares ou mesmo milhões, e tive a percepção do que espera a sociedade daqui a una anos, com filosofias de vida iguais a esta, já que os adolescentes de hoje são o nosso futuro próximo. Ele, e outros adolescentes como ele, consciente ou inconscientemente, estão a ajudar na construção de uma sociedade que alimenta as filosofias do “salve-se quem puder” e da “lei do mais forte” que, aliadas à firme convicção de que os seus procedimentos estão correctos, vão moldar estes adolescentes para sempre. Pede-se, urgentemente, a intervenção dos pais junto destes adolescentes. O pior, é quando os filhos são o retrato vivo dos pais e vice-versa. Neste caso, pouco ou nada se pode fazer. O pouco fiz eu… pelo menos tentei!
Fátima Nascimento
Um dia destes, fui abordada, no parque de estacionamento de uma grande superfície, por um senhor, ao serviço da concorrência, que me pediu se poderia dar uma vista de olhos ao meu talão de compra. Ao princípio, fiquei um pouco indecisa, devido à inesperada, e algo insólita, situação. Foi-me explicado que o supermercado, de onde acabava de sair, não autorizava o acesso ao regime de preços praticado por ele, pelo que o senhor se via obrigado a deslocar-se nas imediações do mesmo, para realizar o trabalho encomendado por outra empresa do mesmo ramo. Compreendi a situação do homem, entalado entre duas empresas: uma que o incumbira de uma missão e esperava resultados, a outra, que não o autorizava a desenvolver o trabalho. Facultei-lhe o meu curto talão, da qual ele tomou algumas notas, numa folha A4, de onde sobressaía uma tabela desenhada a negro. Agradeceu e afastou-se, debaixo do sol escaldante, daquela tarde de Junho.
Arrumei os imensos litros de água que comprara, e que dava para encher uma banheira, e, durante a viagem de regresso a casa, pensei no que acontecera, naquele parque de estacionamento. Não está em causa a abordagem do senhor, que se limitou a cumprir ordens, mas a empresa que está por trás dele. Embora o país esteja a passar por uma crise enorme com todo o desemprego, salários em atraso, baixos vencimentos que não suplantam a subida do custo de vida, entre outros, e as empresas só se preocupam com os preços praticados pela concorrência. Todas as grandes superfícies, e não só, devem ter registado uma quebra de vendas, mais ou menos importante, e falo por mim, que me limito a comprar os produtos estritamente necessários. Agora o que eu penso, é que as grandes superfícies devem ajustar os preços à realidade social que temos, e não continuar na velha filosofia de tentar superar a concorrência em termos de preço, no sentido de lhe retirar clientela ou de evitar que a concorrência lhe tire clientes. Esta velha filosofia só tem, para mim, razão de existir, quando estamos perante uma sociedade sã, em termos financeiros, o que não é o caso…
As mentalidades custam mesmo a mudar, até no ramo comercial, onde o modo de operar, indiferente à dura realidade social, continua a ser o mesmo e com o mesmo objectivo – o lucro.
Fátima Nascimento
Há poucos dias atrás, tive um problema com a minha impressora, pelo que tive de pedir a um amigo do meu filho que me imprimisse um documento. Trata-se de um rapaz de que gosto particularmente, pela sua maneira de ser. Sempre que pronto a ajudar, sempre que pode, para além de ser boa pessoa e um bom amigo. Tinha o documento na disquete e, como ele não tinha já dispositivo onde colocar a disquete, e tive de lhe emprestar a minha pen. (É o resultado de toda a evolução, e a informática não é excepção à regra.) Copiei o documento da disquete para a pen, com todo o cuidado, retirei-a e entreguei-a ao moço. Nesse exacto momento, lembrei-me imediatamente do problema que envolveu o meu filho. Olhei a minha mão, com tristeza. De certeza que todas as minhas palavras devem ter sido mal interpretadas! Devem ter ficado com a ideia que eu não quis pagar a pen. E não foi nada disso. Se o meu filho tivesse sido irresponsável, eu teria pago o objecto, mas não foi o caso. Mas não foi só disto que me lembrei… Eu dissera ao dono do utensílio informático que nunca a deveria ter emprestado a ninguém… e é verdade! Lembrei-me de tudo no exacto momento em que a estendia a este moço. Depois, pensei… como reagiria eu, se, por azar, acontecesse algo à minha? É a única que tenho e não tenho dinheiro para comprar outra, neste momento… Então, como reagiria eu, se o moço chegasse ao pé de mim e me dissesse que tinha estragado o pequeno utensílio de hardware? Não foi difícil para mim encontrar a resposta. Eu sentar-me-ia com ele e explicar-lhe-ia que lhe estava extremamente grata pelo favor que me tinha feito, e que o que acontecera com ele, poderia ter acontecido comigo. Era isto que eu faria e… aguardaria pacientemente a altura certa para comprar outra. Mas isto era o que EU faria, mas muitas pessoas não são iguais a mim. E há que respeitar a diferença. Só me custa compreender é o preço que as pessoas dão (e sempre deram!) aos objectos, que parecem estar acima de tudo o resto! Vejo pessoas por esse mundo fora a terminarem amizades por causa da importância que assumiu o aspecto material nas nossas vidas, como se este fosse o melhor da vida! Não se matam pessoas, na nossa sociedade, para outras apossarem dos bens materiais que lhe pertencem? É a isso que nós chamamos assaltos. Onde vamos parar, se continuarmos a seguir esta ordem de valores?
A mentira é uma arma hábil e forte, num mundo em que os fins justificam os meios. Então, quando se trata de vender, tudo parece estar mais do que justificado. Deparamo-nos com a mentira em todas as situações, e há mesmo frases que vomitam filosofias estranhas, capazes de iludir as mentes mais distraídas como “A verdade depende dos olhos que a vêem”. Não é verdade. Pelo menos, não deveria ser assim, uma vez que a verdade, independentemente do que queiram levar a crer, é só uma. Só aos mentirosos interessa esta maneira quase simpática de ver as situações quotidianas da vida, divertindo-se a colorir de tons mais ou menos carregados a realidade, falsificando a verdade. Nós convivemos com a mentira, no dia a dia, pelo que, erradamente, já nos habituámos a ela. Estamos a ver a pessoa a mentir, mas fingimos que acreditamos. Já não nos damos ao trabalho de mostrar que sabemos que ela está a mentir. A mentira está institucionalizada na nossa sociedade. As pessoas vivem da imagem, descurando o seu lado espiritual. As máscaras proliferam. O comércio não é excepção. Por exemplo, todos os dias, quase, nos deparamos com soluções miraculosas que visam rodear problemas de saúde que vêm sacudindo as pessoas, devido à alimentação errada que se vai praticando e à vida sedentária. Quando menos esperamos, lá está uma solução que as marcas arranjam, para, aparentemente, solucionarem os problemas, quando, de facto, só estão a rodeá-lo. É o caso dos alimentos denominados de “light” que contêm, na sua composição, elementos que fazem ainda pior à saúde. Para evitar que as pessoas deixem de consumir, as empresas, para continuarem com os lucros, põem no mercado maravilhas que acabam por arruinar, na mesma, a saúde das pessoas. Elas aproveitam-se da ignorância da maioria dos consumidores, para os enganar. Ora, sendo a saúde, a maior riqueza que nós temos, e a das empresas, o dinheiro, qual das duas vai vingar? O bom senso ou a ganância do lucro? Não será altura de estas empresas se preocuparem com produtos alternativos, mais saudáveis, em vez de andarem a enganar os consumidores? Podem continuar a fabricar esses produtos como até aqui, sem preocupações “light”, ou outras, pois ainda há pessoas que os podem consumir, mas não enganem ninguém… até porque a mentira tem pernas curtas. A verdade vem sempre, mais tarde ou mais cedo, à superfície, (raras são as vezes, em que isso não acontece, embora isso também suceda, quando as pessoas estão tão cegas que não querem ver), e geralmente, os que ingressam na mentira ficam sempre mal vistos, por mais cautelosos que os mentirosos sejam. Estes alimentos acabam por ser denunciados pelas pessoas que, em consciência, combatem estas e outras mentiras, (e bem hajam, por isso!) acabando as empresas por ser também prejudicadas, no aspecto em que elas mais temem – a imagem. Esta não corresponde à verdade, logo as pessoas não arriscam. Até por uma questão de saúde! Sempre que tenham dúvidas, ou desconfiem da fartura, perguntem ao vosso médico ou ao farmacêutico… sempre é uma solução, para evitar o engano!
O meu filho viu-se envolvido no meio de uma situação, da qual saiu prejudicado. Um vizinho nosso, e colega dele de escola, emprestou a sua pendrive a outra colega de turma. Esta, no fim de a ter utilizado, sabe-se lá porque razão, pediu ao meu filho para a guardar. Este, num gesto de boa vontade que o caracteriza, pegou nela e meteu-a na pasta. Quando chegou a altura de a entregar ao colega, ele estendeu a mão para a colega e disse-lhe para lha entregar. Ela negou-se. Resultado: a pen estava estragada. O dono da pen ficou zangado e pediu contas à rapariga e ao meu filho. Este, vendo-se envolvido, injustamente, na questiúncula, negou-se a pagar fosse o que fosse. Ficaram zangados. Resolvi procurar o rapaz para falar com ele, de forma a que entendesse a posição do meu filho, e salvar uma amizade. Estava lá o pai. O rapaz estava em casa de um colega. Mas fez-me logo saber que as coisas não eram assim na versão do filho e dos colegas. Pedi para telefonar ao filho. Este veio. Expliquei-lhe a atitude do meu rapaz, a amizade que estava por trás do gesto, que ele não tinha obrigação de ficar com a pen, uma vez que não fora a ele emprestada, mas que, ainda assim, concordara em ficar com ela, que era a moça, a quem ele a emprestara que deveria fazê-lo, que ele não deveria emprestar essas peças informáticas a ninguém, e que ele, tanto quanto o meu rapaz, eram vítimas daquela situação toda. Chamei o meu rapaz, para falar com o colega, na tentativa de levar ambos a entender a situação do outro. A irritação do vizinho que perdera um instrumento de trabalho, a do meu que lhe fizera um favor e saíra prejudicado por isso. O pai do rapaz saiu de casa para um encontro que combinara e, de passagem, perguntou-lhe se o caso estava resolvido. “Mais ou menos”, foi a resposta do filho. “Então já está resolvido.” foi a resposta do pai que acrescentou, “Eu também já emprestei uma pendrive que me estragaram e nunca vi o dinheiro.” Eu percebi a indirecta do pai e ignorei-a. Desde o início da conversa, o rapaz que se mostrara, aparentemente, sempre compreensivo, (eu percebia a resistência interior dele às minhas palavras) embora insistindo, sempre que podia, no dinheiro da pen, explicou que iria receber metade da quantia, no dia seguinte, da colega a quem emprestara a pen. Eu retorqui que era precisamente a ela que ele tinha de pedir contas, porque foi a ela que ele emprestou a pen, e a mais ninguém. Despedi-me do vento frio que varria a rua, e do rapaz, sem deixar de ouvir da boca dele que o assunto ainda não estava resolvido. Percebi que não valia a pena. Ele queria o dinheiro do utensílio e mais nada… Agora, só falta cá vir a mãe falar comigo e… defender a mesma ideia do filho. A única lição que o meu filho pode tirar daqui é nunca mais fazer favores a ninguém, seja a quem for.
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