(Ao meu pai que acaba de falecer...)
O meu pai está quase com oitenta e um anos. Sofre há alguns anos de Alzheimer. A doença é enganadora: quando parece estável, segue-se, inesperadamente, um período curto de avanço da mesma. Aliada à diabetes, adivinha-se um quadro clínico complexo. Olho para ele, e vejo ainda os vestígios do homem que conheci outrora. Amo-o profundamente. Nunca me senti tão perto de alguém, ainda que entre nós existisse uma diferença grande de idade traduzida na diferença de mentalidades. Contudo as diferença não eram assim tão acentuadas. Ou se eram, não dei por elas, uma vez que me deu total liberdade de escolha e sempre me incentivou, quando nem ele mesmo sabia exactamente qual seria o meu caminho ou a minha meta. Hoje, mergulhado no lodo da doença, que o assemelha a uma criança perdida, tento aliviar a carga que ela representa para ele e para a minha mãe. Nem sempre tenho tempo mas, sempre que posso, vou buscá-lo e trago-o para casa. Já sei que a tarde - ou o dia - tem de lhe ser dedicado e, sinceramente, desfruto da sua companhia. As nossas tardes resumem-se a passeios e a conversas simples ou a silêncios sentados no alpendre coberto da casa, mas, e sobretudo, à presença mútua. A minha filha mais nova acompanha-nos. Presos entre a incompreensão dos adolescentes e a impaciência da mais nova, que parece imitar a avó, tento fazer com que a doença não se torne um peso para ele ou seja para quem for. Porque não tem de o ser. Sei que ele aprecia estes momentos, sobretudo os passeios a pé. E não vamos muito longe! Contentamo-nos com a simpática volta ao quarteirão, quando o tempo está bom. A pequenita, montada na sua bicicleta, à nossa frente, desenhava uma gincana de obstáculos imaginários. O meu, pai, apoiado no meu braço esquerdo, seguia calmamente a meu lado. A certa altura do percurso, oiço a sua voz trautear: “Oh, minha menina, minha menina bela, quero passar o serão, sentadinho ao pé dela”. Voltei-me para ele e elogiei a canção confinada àqueles versos repetidos na solidão da doença. Respondeu-me com um sorriso aberto nos lábios ligeiramente deslocados para a esquerda. E nos olhos… surpreendeu-me o orgulho incomensurável exalado deles! Fiquei emocionada. Não sou nada, não sou ninguém, nem sei o que o futuro me reserva, mas sei que conquistei, involuntariamente, a meta mais importante da minha vida: o seu orgulho em mim!
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