opiniões sobre tudo e sobre nada...
Há uns tempos atrás, estava ainda desempregada, pelo que, muitas das refeições tinham de ser bem pensadas, no sentido de gerir, da melhor forma o magro rendimento de que dispúnhamos. A primeira preocupação que tinha era a de pagar as contas relativas às despesas mensais, só depois podíamos pensar em comida. Não sobrava muito. Assim, muitas das refeições, sobretudo à noite, eram ligeiras e rápidas. Uma dessas noites, tínhamos comido sopa, e tinha fritado duas qualidades de rissóis, peixe e carne, para todos, acompanhados de pão e fruta. Os rissóis já estavam no fim, quando, alguém tocou à campainha. Os dois últimos sobreviventes, que jaziam no prato vazio, eram de peixe e carne, sendo o de peixe comido pelo rapaz e o de carne, dividido pelas duas irmãs, que, não gostando dos de pescada, dividiram entre si o último de carne. Uma vez a porta aberta, a vizinha entrou, percorrendo em passos rápidos o corredor que separa a cozinha da porta de entrada. Tive um mau pressentimento. A vizinha varria a cozinha com o olhar, enquanto falava. Estávamos na altura do Natal. Uns dias depois, ela voltava com uns sacos de compras, justificando-se com o choque que provara ao testemunhar um rissol a ser dividido por três. Ela não reparara bem, pelo que a história saíra distorcida. Não me preocupei em desmenti-la. Também não sei se adiantaria muito. Lembrei-me dos tempos em que os meus pais eram crianças e dividiam uma sardinha por três. Percebi que os tempos não haviam mudado muito desde então. O tempo passou mas os problemas não mudaram, são os mesmos. A pobreza continua e com ela os mesmo gestos, num esforço desesperado de sobrevivência. Sim, porque embora o rendimento seja menor, as contas mensais continuam a surgir com a mesma regularidade e com os aumentos nelas incluídos. Não têm coração e, por isso mesmo, são cegas. Em relação ainda aos tempos dos nossos progenitores, a única diferença será possivelmente a nossa dependência dessas contas. Vamos ao exemplo do gás. Os nossos pais e avós procuravam uns paus secos nos terrenos para acender o lume, cujas brasas eram aproveitadas para o ferro de engomar… Nós não podemos fazer isso. (Um problema criado pelo avanço tecnológico. Os pobres não podem investir na autoprodução de electricidade, que envolve um investimento significativo. Até as matas estatais, fornecedoras das amáveis pinhas, estão agora debaixo da supervisão de particulares.) Ou não devemos, embora haja quem salte as cercas em busca de lenha alheia para se aquecer. Muitas vezes, não são os necessitados que as saltam… (como eu própria já presenciei, casualmente, por duas vezes) esses resignam-se e limitam-se a escolher alternativas. Mais uma vez, estamos perante um caso onde a natureza humana é decisiva.